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Quinta-feira, 18 de abril de 2024
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Deusval Lacerda

deusvallacerda@bol.com.br

06/02/2017 - 15h56

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Deusval Lacerda

deusvallacerda@bol.com.br

06/02/2017 - 15h56

Ciclotimia do Brasil

Como brasileiro, e ao longo da vida tentando decifrar o País, fico estarrecido com os erros, defeitos, vícios, esquisitices e outras coisa mais, existentes e insistentemente cultivados, e até cultuados, neste imenso, paradoxal e multifacetado Brasil.

 

Volvendo à história pátria, vê-se que no período colonial a terra do pau-brasil foi explorada da forma mais insidiosa possível, onde os nativos foram coagidos a fazer o que não tinham aptidão, como o trabalho agropecuário, entre outros tratamentos inadequados, por vezes cruéis, e por isso dizimado. O negro veio do seu habitat natural africano sob os grilhões da escravidão e, como isso, maltratado, seviciado, mortificado. O branco português deixou um rastro de artimanhas que, somados, configurou-se no lastro histórico-cultural para a formação da identidade nacional.

 

Nos trezentos anos da história colonial, neste território com dimensão continental cuja Coroa governante ficava no além-mar, e o vice-reino, tanto em Salvador como no Rio de Janeiro, distante dos acontecimentos das capitanias, prosperou a lei do salve-se quem puder.

 

A Família Real, cuja dinastia em Portugal já era cômica, imagine o Reino fugido da Europa para o Brasil, ainda Colônia, e que trazia uma Rainha Louca e um Príncipe Regente – que se tornou Rei no Brasil – idiotizado. Era uma verdadeira gozação, deboche, é só lembrar das coxas de galinha que se lambuzava na sua indumentária-real.

 

No vai e fica da restauração do Reino Português, o pai assume a Coroa de lá e deixa o filho para assumir a Monarquia daqui, por isso a Independência de conveniência, e não através de um projeto de Nação, cuja história Imperial brasileira se conhece, e que pouco é lembrado nos dias de hoje, pela hilaridade.

 

Por causa disso, surgiu a República, que, na verdade, nunca foi República. Nos seus 127 anos de Proclamação, ela já começou enviesada, e por isso a alcunha em suas diversas fases e/ou períodos. No primeiro delas, foi chamada de República Velha, ou seja, era algo que já começou ao avesso, isto é, em desacordo com os seus próprios princípios. Em seguida, foi dita de Era Vargas, que no âmago do governo de Getúlio Vargas foi criado o Estado Novo, que se tratava de regime caudilhista, personalista, ditatorial, fascista, portanto, longe de caber numa República. Ato contínuo veio a Redemocratização, que sugeria uma volta à democracia que nunca existiu, pois a República Velha tinha todos os ingredientes de uma oligarquia, e não de uma democracia. Depois, a Ditadura Militar, que, por si só, o nome já diz que era a negação dos pressupostos democráticos e republicanos. E na atual quadra, a partir de 1985, aflorou a Nova República, que a própria nomenclatura já diz que seria coisa nova, com novos conceitos, pensamentos, para efetivamente entrar no rumo democrático.

 

E aconteceu com a implantação do Estado Democrático de Direito salvaguardado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Mas, eis, que sofreu recaída. E em maio de 2016, com o impeachment da presidente legítima Dilma Rousseff, reeleita, desferiu-se o golpe parlamentar-constitucional-judicial que elevou ao poder o presidente espúrio Michel Temer que, em retrocesso estrutural, retroagiu o Brasil nas áreas política, econômica, social, legal, ético-moral e institucional.

 

E seguindo nesse diapasão, ou melhor, consumada a sístole democrática, e tendo em vista a manutenção do status quo conservador-direitista, contrário senso, foi instituído o Lawfare contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Que se significa o uso indevido de instrumentos jurídicos para fins de perseguição política, destruição da imagem pública e inabilitação do adversário político.

 

O Lawfare se consuma no uso de acuações sem materialidade, e utilizações de processos judiciais sem qualquer mérito e o abuso do direito para danificar e deslegitimar a vítima. A grande imprensa, geralmente em conluio com o poder, usa sem dó nem piedade a sua grade jornalística para influenciar a opinião pública contra o perseguido.

 

Foi exatamente isso que o ex-presidente Lula e sua esposa, Marisa, sofreram com a acusação de que pertencia ao casal o propalado apartamento “tríplex do Guarujá”, no litoral paulista, que no dia 12 de janeiro o relatório da PF e do juiz Sergio Moro os isentou de qualquer vínculo proprietário do imóvel.

 

Fato que ensejou, inclusive, aos advogados de Lula requerer, no dia 27 último, a anulação do processo do “tríplex do Guarujá” ao Tribunal Federal Regional (TFR) da 4ª Região. Os advogados de defesa de Lula dizem que a suspensão é necessária “em virtude de diversos atos que mostram que o juiz Sergio Moro perdeu a imparcialidade para julgar Lula”.

 

No entender dos advogados, a nulidade do processo está relacionada à atuação “parcial” do juiz Sergio Moro. A defesa aponta que a existência de provas “Pré-constituídas” de inúmeras situações de que o juiz teria atuado de forma parcial.

 

Os causídicos elencam ainda uma série de supostas ações de Moro que teria o poder de anular os processos sob sua tutela. Entre elas, a condução coercitiva do petista sem previsão legal, autorização de busca e apreensão sem observância normativa da lei, autorização para interceptação telefônica e divulgação dos áudios das conversas de Lula, antecipação ilegal de juízo de valor quando do recebimento da denúncia, condução das audiências de instrução de modo a mostrar “parcialidade” e “inimizade”, participação do juiz em eventos com agentes políticos de grupos opostos ao ex-presidente e pelas manifestações de caráter politico do juiz Moro.

 

Já o governo golpista pode tudo. É normal. Pois num jantar no dia 24 de janeiro, na residência do Renan Calheiros, o presidente golpista Temer foi aconselhado sobre a vaga do ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF), morto em acidente de avião, por nada mais nada menos do que pelo anfitrião, Romero Jucá, Eliseu Padilha e Moreira Franco, todos envolvido na Operação Lava Jato.

 

Moreira Franco está tão aperreado que o Temer lhe deu salvo-conduto, isto é, foro privilegiado, ao nomear-lhe, às pressas, ministro de Estado. Lembra do Lula quando a Dilma o indicou ministro? Pois é. Já era o Lawfare em ação. A turma do golpe pode, e sem nenhuma cobertura denuncista da grande mídia.  

 

Esta é a República do estágio atual brasileiro. Em que o que não tem culpa se esmera para demonstrar e provar que é inocente. E os que têm culpa formada e comprovada em cartório recebem toda a cobertura governamental e institucional para ir se desobrigando das autoridades judiciárias e despistando a opinião pública. Não dá mais para gambiarra, um grande País exige agora solidez republicana, democrática e institucional.

 

 

Deusval Lacerda de Mores é economista

 

Deusval Lacerda

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