Facebook
  RSS
  Whatsapp
Sexta-feira, 26 de abril de 2024
Colunas /

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

31/08/2017 - 10h06

Compartilhe

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

31/08/2017 - 10h06

No mundo das aparências não somos mais que escravos

Acompanhando as postagens nas redes sociais verificamos no mundo virtual,( onde avatares de nós mesmos constituem hoje a face da aparência principal que se reflete  no mundo real); que mais do que nunca, as aparências se dissociaram do ser que somos. Em analogia às provocações de Hannah Arent em A Vida do Espírito, somos meras semblâncias, completamente dissociadas do verdadeiro ser e de sua necessária correspondente:a verdadeira aparência.

 

A  máxima de que a nossa existência pressupõe um aparecer,  foi potencializada e distorcida pelas possibilidades tecnológicas e mercadológicas e passamos a nos separar de nosso ser verdadeiro para nos lançarmos em uma criação de nós mesmos completamente dissociada de nossa identidade.

 

Nossos perfis nas redes sociais trazem pessoas, na maioria das vezes, bem vestidas, bonitas e, principalmente, sorridentes, visto que o sorriso é uma marca indicadora de bem estar e felicidade. Esse espaço de visualidade não revela o que se passa em nossas vidas cotidianas. Lá recortamos, selecionamos, editamos nossas vidas e as preparamos para um outro aparecer.

 

Vestimos as máscaras e com elas nos locomovemos. No mundo dos avatares de nós mesmos, não há espaço para o comum, para o simples, para o considerado feio. Em outros pontos a dor, a angústia e o medo só são aceitos se houver comoção social e familiar. Já a publicização de momentos de lazer e diversão, mesmo que íntimos,  são bem vindos. As postagens de festas, viagens, comidas, roupas, tudo o que pode representar distinção social é aceito sem questionamentos. Assim é que produzimos nossa imagem à semelhança do mesmo de quem desejamos nos aproximar, sempre nos distanciando do outro de quem queremos nos afastar.

 

E nós produzimos cada vez mais, conteúdo sobre nós mesmos; conteúdos apropriadospelas empresas que controlam as redes sociaise que buscam explorar, tanto, porquesão ricas construções culturais negociáveis, como, sobretudo, pelas possibilidades de lucro financeiro que podem render. Assim é que produzimos não apenas conteúdos/informações sobre nós e outros, mas nos tornamos os principais produtos comercializados hoje nos mercados: nossos perfis. 

 

 Portanto, o propagado empoderamento da voz, a democratização do direito de falar e a acessibilidade virtual, possuem hoje, um alto preço; que pagamos, mas não sentimos, por isso, nem sequer percebemos que as sociabilidades criadas e impostas pelos novos dispositivos tecnológicos, possuem duas faces. A visível, em que podemos falar o que pensamos; em que podemos nos aliar em causas sociais e políticas; em que podemos encurtar o espaço e o tempo e nos conectar globalmente, etc.. E, a invisível, a que nos aprisiona em um macro dispositivo global, que funciona como um panóptico de dimensões planetária e a tudo observa e a tudo controla. Percebam que em escala crescente todos os dispositivos e aplicativos estão se conectando virtualmente. Nossos dados (nossa vida) migram de uma plataforma para outra, sem sequer nos darmos conta, quanto mais pensar em sermos consultados sobre as negociações feitas com nossos nomes.

 

Contudo, essa é uma perspectiva simplista e minimalista, visto a complexidade que engloba os processos que permeiam o desenvolvimento tecnológico e o envolvimento mercadológico nos quais estamos cada vez mais mergulhados. Com certeza Baudrillard acertou em muitas de suas teorias formuladas há mais de vinte anos. O mundo virtual hoje, um simulacro do real, termina sendo mais real do que o real, principalmente, porque consegue se inserir nesse, de tal maneira que não conseguimos nos desconectar, e, quando por algum motivo, essa desconexão acontece, nos sentimos perdidos, como se parte de nós estivesse faltando.

 

Todos ou a maioria de nós contemporâneos está inserida nesse processo de livre e espontânea vontade ( lembrando que a vontade nem sempre reflete um querer, pode vir de um dever, de uma obrigação e de uma pressão), ou, de uma “livre e espontânea” pressão social de estar incluído. Porém, embora todos estejamos nos tornando nossos próprios produtos pela construção que fazemos de nós mesmos; muitos estão se destacando pela construção de si voltada para um mercado potencial da visibilidade, pelo desejo de alcançar o Monte Olimpo.

 

Assim se seguemconstructos de alto imagens que extrapolam o “sorriso lateral e o cabelo no ombro”. São construções que visam a criação de marcas pessoais, a exemplo dxsblogueirxs, especialistas em si mesmos e que hoje estão migrando ou já migraram para as redes sociais. Em geral, essxs falam de si, de seus problemas e de suas superações, ou, se projetam imageticamente como modelos de um mundo estético e saudável, entre milhares de outras temáticas possíveis e localizáveis. Em comum, o posicionamento mercadológico dos seres enquanto marcas.

 

 Ao aceitar os acordos comerciais impostos por cada rede social, o internauta e seu avatar torna-se não somente uma marca, mas o próprio produto. E passa a negociar a própria imagem criada de si enquanto carregada de um determinado capital cultural que comunica os valores agregados na hora da criação de si enquanto marca. Essa negociação se dá de forma reticular. De um lado, as negociações com as redes sociais em que se encontra; de outro, as negociações com as empresas que desejam agregar mais valor ao se aliar a essas marcas pessoais e chegar aos seus seguidores, pagando bem menos do que pagariam em uma veiculação publicitária eletrônica, por exemplo.

 

Todavia, se a marca pessoal criada até certo ponto de modo consciente tem, ou pode ter, esses dois fluxos mercadológicos sob sua gestão, visto tratar-se de relacionamento com seus stakeholders; por outro lado, não possui a menor gerência sobre as negociações que as redes sociais fazem de seus perfis.

 

Pensando pelo prisma dos avanços tecnológicos e mercadológicos, conseguimos perceber então que chegamos a um estágio em que trabalhamos gratuitamente doando (e não mais vendendo como comumente se faz)  nosso maior bem no mundo capitalista em que nos encontramos,  que é o tempo. Trabalhamos gratuitamente para as empresas que não precisam pagar nossos salários, não precisam nos armazenar e não precisam ter estruturas de logísticas complexas para nos vender enquanto produtos informacionais que somos ao assumirmos nossos avatares, visto que ao optarmos pela vida online, estamos disponíveis em todo e qualquer lugar, o que nos torna vulneráveis.

 

Assim, no mundo das aparências, quanto mais engajados somos, quanto mais postamos fotos, quanto mais curtimos, quanto mais compartilhamos, quanto mais produzimos conteúdo, quanto mais interagimos,  mais ganhamos em visibilidade e nossos perfis são potencializados nesse sentido, visto que estamos caminhando rumo não somente a uma alto valorização no mundo das aparências, mas a uma valoração mercadológica dos produtos que no final somos. Produtos esvaziados de essência, escravos inconscientes, peças de um mega xadrez, que para além da roda industrial das engrenagens de Chaplin, ganhou projeção virtual se globalizando.

 

            Somos um exército que segue seu caminho de cabeça baixa olhando inertes para as telas de dispositivos eletrônicos cada vez menores e mais potentes. Até mesmo a consciência corporal está comprometida, o que dizer da consciência espiritual e não falo aqui de espírito sublime no sentido religioso, mas no sentido de lugar em que se desenvolve a potência do pensamento. Talvez seja a hora de pararmos para pensar no que estamos nos tornando. Fica a dica!

Acesse Piauí

Comentários