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Segunda-feira, 20 de maio de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

01/10/2020 - 09h02

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

01/10/2020 - 09h02

As dimensões da desinformação

 

Desde as pesquisas de Pós-Doutorado realizadas na ECO-UFRJ ano passado e, posteriormente, ao longo de seis meses de pandemia da COVID-19 e isolamento em que estivemos articulando e formatando a Rede Nacional de Combate à Desinformação-RNCD e à frente do Projeto de fact-checking vinculado ao Núcleo de Pesquisa que coordenamos na Universidade Federal do Piauí e que denominamos NUJOC-Checagem, passamos a observar e interpretar de perto o complexo fenômeno da desinformação a partir de uma visada que se pretende mais abrangente do que a que vinculava as narrativas desinformacionais a campos isolados do saber e da vida em sociedade.
       
Na labuta diária no combate à desinformação com o jornalismo de verificação conseguimos perceber os avanços do mercado do que se convencionou chamar de fake News no que concerne tanto à composição e estrutura das narrativas, como à pluralidade de canais utilizados para atingir objetivos estratégicos com a desinformação em circulação, como também, as formas de apropriação dos modelos de negócios das grandes plataformas digitais que favorecem a circulação de informações falsas, imprecisas, manipuladas, descontextualizadas.
           
Se, por um lado, o mercado da desinformação se utiliza de estratégias  de credibilização das narrativas ao agregar alguma evidência e, se utilizar de uma visualidade dos processos jornalísticos que são incorporados para dotar as  fake News de credibilidade, por outro, trabalham para descredibilizar o jornalismo enquanto instituição de grande importância no seio da sociedade.
           
Contudo, quando nos deparamos com análises sobre o avanço intermitente da desinformação nas sociedades mundiais, e, em especial, na sociedade brasileira, em geral estas análises partem de um lugar de fala dos seus pesquisadores/cientistas e que podem se situar na história, na política, no mercado,  na comunicação, na psicologia, na filosofia da verdade, nas tecnologias da informação, etc. , sem que haja uma integração das análises ao fenômeno observado, o que dificulta uma abordagem de combate mais efetiva.
           
Quando iniciamos nossas observações ao fenômeno da desinformação percebemos que ele se constitui como um fenômeno multidimensional e como elencado  acima, apresenta em nosso olhar inicial, oito dimensões (histórica, política, mercadológica, comunicacional, psicológica, filosófica, tecnológica e informacional), mas é provável que hajam muitas mais.
           
Essa multidimensionabilidade tem se revelado como faces do fenômeno que estavam nas sombras, mas que dia-a-dia são reveladas paulatinamente. E foi pensando na pluralidade das narrataivas desinformacionais que cercam a sociedade em vários âmbitos, que ao construir os laços de interligação dos projetos para  a RNCD procuramos  por projetos, instituições, agências e coletivos de várias áreas, com formas diversas de abordagens e de atuação, para que possamos conjuntamente atuar frente às várias dimensões da desinformação.
           
Aqui começamos com a dimensão histórica cuja perspectiva nos fornece uma visão de longo prazo do fenômeno observado e que nos leva à necessidade da consciência histórica em relação a desinformação que já esteve presente nos processos comunicacionais da humanidade desde muito tempo. O século XX foi prolífero em desinformação que se fazia circular pelas mídias de massa e pelo jornalismo em modalidades também plurais, desde narrativas não factuais a manipulações grotescas e sensacionalismos. A dimensão histórica do fenômeno da desinformação nos permite visualizar outras dimensões a esta interligadas, tais como: a política, a comunicacional, a filosófica e a psicológica.
           
No que concerne à dimensão política temos a desinformação como motor do desentendimento social que divide a sociedade em polos que não dialogam entre si. A desinformação aqui, assim como, no ambiente mercadológico se interliga à dimensão psicológica para sensibilizar os públicos de interesse a partir de suas crenças e valores. O falar direto e o estímulo à emoção, desconsiderando a razão moderna que pautou a construção da informação durante a modernidade, são acionados para obtenção de resultados efetivos.
           
Obviamente que a dimensão política é muito mais complexa e não teremos aqui tempo para dissertar sobre a mesma, ou sobre qualquer outra dimensão de modo aprofundado, mas podemos ver os resultados do fenômeno na involução da democracia nos países ocidentais nos últimos anos, e mais do que isso, podemos acompanhar o descrédito denunciado pelo francês Jacques Rancière no começo do século XXI em seu texto O ódio à democracia,  e que tem crescido em países como Estados Unidos, França, Alemanha e Inglaterra, que, teoricamente, seriam exemplos de democracias.
           
Por outro lado, as dimensões mercadológicas e psicológicas se interligam diretamente com os novos players da economia mundial, a saber: as gigantes econômicas do mundo virtual. Tais plataformas, como bem denuncia o documentário O dilema das redes,  desenvolvem processos tecnológicos embasados em modelos psicológicos como o OCEAN  ou Big Five que tem como intuito não somente saber tudo sobre cada usuário, como também, estabelecer um vínculo de dependência psicológica de cada usuários para com suas redes sociais preferidas, por exemplo. Todo esse processo de composição psicológica/comunicacional/tecnológica tem por sua vez, o intuito de manter os usuários como escravos que alimentam a rede mundial de computadores, trazendo lucros e lucros para as grandes plataformas.
           
De acordo com Michal Kosinski, cientista que esteve vinculado ao Centro de Psicometria  do Departamento de Psicologia da Universidade de Cambridge e Professor da Universidade de Stanford nos Estados Unidos,  é possível com base em uma média de 68 likes do Facebook por usuário,  prever sua cor da pele (95% de precisão), sua orientação sexual (88%) e sua filiação aos partidos Democrata ou Republicano (85%). Com 70 curtidas era possível saber mais de cada usuário do que seus próprios amigos sabiam. E para conhecer uma pessoa mais do que seu parceiro, bastavam 300 curtidas.
           
Esses dados foram revelados por Kosinski em 2012 quando publicou seu trabalho em uma renomada revista científica. Fazem, portanto, oito anos e de lá pra cá muita coisa já mudou e foi potencializada.
           
O desenvolvimento dos algoritmos, dos bots e dos aplicativos tem como mola promulsora determinado objetivo a ser alcançado, motivo pelo qual se valem da coleta de informações dos usuários, visto que serão estes também os alvos das ações subsequentes tanto no campo do mercado, quando da política, ao que podemos acrescentar: da ciência ou anti-ciência, da religião e da preservação da natureza.
           
Se as plataformas objetivam a maximização do lucro através de mecanismos da economia da atenção, intensificados pelo controle e recompensa utilizados em seu modelo de negócios, os que se apropriam de suas ferramentas para disseminar desinformações tem consciência dos lucros que podem ser auferidos a partir de tal parceria, entre as empresas do mercado da desinformação e as plataformas digitais. Namastê!
 
 

ANJ

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