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Sexta-feira, 10 de maio de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

16/04/2021 - 07h23

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Ana Regina Rêgo

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16/04/2021 - 07h23

A Ignorância da Política e a Política da Ignorância

Peter Burke, historiador inglês.

 Peter Burke, historiador inglês.

O meu texto de hoje é um convite para ouvir o historiador inglês Peter Burke na próxima segunda-feira, 19 de abril, às 14 h no Canal da RNCD – YouTube (https://www.youtube.com/channel/UCY-IrhSnyzCBr27OhfY2T7w ).

Peter Burke fará uma Conferência sobre a Ignorância da Política e a Política da Ignorância, tema mais que relevante em nosso contexto atual em que ignorância e desinformação se unem à pandemia da Covid-19 potencializando a crise sanitária que nos aflige há mais de um ano.
 
Curiosamente, pensar sobre a ignorância passou a fazer parte das preocupações de muitos pesquisadores em diversas áreas das ciências Humanas, nos últimos anos. Peter Burke após a escrever A História Social do Conhecimento, dedica-se no momento a escrever sobre A História Social da Ignorância, tema que prepara para o próximo livro.
 
Para além de Burke, outros autores têm se dedicado à temática. O israelense Yuval Harari em dois de seus livros apresenta advertências pontuais sobre a ignorância como motor para o conhecimento e não somente, como seu oposto.  Em Uma breve história da humanidade, este autor nos diz que uma das principais diferenças da ciência moderna vem exatamente do fato de se constituir como uma tradição com predisposição para admitir a ignorância, em latim Ignoramus - não sabemos. Após admitir a ignorância os cientistas partem para obtenção de novos conhecimentos que ao final se concretizam em novos processos tecnológicos e em novos poderes.  E isso tem se transformado no grande paradoxo da ciência atual, em que a produção do conhecimento científico e tecnológico está subordinada à produção do lucro, como bem diz o Nick Couldry da Escola de Economia e Ciência Política de Londres.

Yuval Harari destaca ainda que as antigas tradições de conhecimento só admitiam dois tipos de ignorância. A primeira concentrada em um indivíduo que poderia ignorar alguma coisa importante, mas essa ignorância seria facilmente sanada com o interesse deste indivíduo no conhecimento. A segunda, quando uma tradição inteira poderia ignorar coisas sem importâncias, não repassadas pelas narrativas religiosas ou pelos Deuses porque não tinham importância em seus contextos e temporalidades.
 
Então para Harari “ a ciência moderna é uma tradição de conhecimento especial na medida em que admite abertamente a ignorância coletiva a respeito de questões mais importantes”, o que a tornou mais flexível dinâmica e inquisitiva do que qualquer outra tradição do conhecimento. Todavia, essa predisposição trouxe consigo a premissa de que não sabemos tudo e que as evidências não podem provar tudo, o que nos leva ao confronto com os demais regimes de verdade, a saber: experiência, valores e crenças.

Em um livro mais recente Harari afirma que “o mundo está ficando cada vez mais complexo e as pessoas não se dão conta de quão ignorante são”.  Consequentemente pessoas que não sabem quase nada de ciência, de geopolítica, de mudanças climáticas passam a emitir opinião e a se tornar formadores de opinião em canais nas grandes plataformas digitais. Para este autor, “pessoas raramente contemplam sua ignorância, porque se fecham numa câmara de eco com amigos que pensam como eles e com feeds de notícias que se autoconfirmam, fazendo com que suas crenças sejam constantemente reiteradas e raramente desafiadas”. Paradoxo das famosas bolhas.

Já o historiador inglês Peter Burke que trouxemos para o ALCAR 2017 e que também fará uma conferência na próxima segunda (convite já formulado acima), em artigo publicado na Revista Piauí de setembro de 2020 nos fala sobre a política da ignorância e a ignorância da política e nos diz que diferentemente do que pensávamos, ou seja, de que estávamos em uma sociedade do conhecimento há cerca de 30 anos, hoje nos encontramos em uma sociedade da ignorância. Em suas palavras “Essa desconfortável tomada de consciência nos coloca um desafio. Como estudar a falta de conhecimento? Uma das respostas tem sido examinar as práticas correntes de ocultação de informações ou circulação de fake news (que antes chamávamos simplesmente de “mentiras”), descrevendo essas atividades como exemplos da “construção”, “produção” ou “fabricação” da ignorância, quando, por exemplo, encobrem calamidades ou defendem que determinada droga não tem efeitos colaterais perigosos. Seria mais preciso falar de “manutenção” do que de “produção” da ignorância, mas a linguagem dramática usada atualmente tem a vantagem de chamar a atenção do público”.

De cara, Burke já contesta a nossa proposição de construção, falo do nosso livro A construção intencional da ignorância (Ana Regina Rêgo e Marialva Barbosa), mas devo admitir que me sinto inclinada a um meio termo entre a nossa proposição de construção e a do grande historiador, nós trabalhamos com a construção da ignorância e ele com a manutenção. Nós fizemos a escolha pela construção porque fomos até a raiz das estratégias que intentam plantar a dúvida nas raízes das narrativas científicas já consolidadas, utilizando processos similares ao da construção da ciência e da construção da credibilidade das narrativas da modernidade, mas também acredito que muito há de manutenção do status de ignorância que vai de encontro à mística, a crença e aos valores já assimilados pelas sociedades em seu habitus.

Peter Burke nos fala de todo o acúmulo de conhecimento e excesso de informação que hoje está à disposição da humanidade, mas destaca que esta humanidade não tem condições de absorver. Fala dos governantes que tomam decisões embasados em crenças e não em evidências e terminam prejudicando o povo. Novamente, em suas palavras muitos governantes atuais: “São ignorantes e, o que é pior, ignoram a própria ignorância. Estão tão isolados no Salão Oval ou no Palácio do Planalto, quanto Filipe II no Escorial, e são supervisionados de perto nas ocasiões em que encontram “o povo”. Seja como for, alguns deles preferem ignorar conhecimentos que não lhes convêm”.

Para participar do evento com Peter Burke na próxima segunda-feira, 19, às 14 h: INSCREVA-SE no CANAL RNCD- YOUTUBE: https://www.youtube.com/channel/UCY-IrhSnyzCBr27OhfY2T7w

A RNCD Brasil e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPI vão emitir certificado aos participantes interessados. 

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