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Quinta-feira, 09 de maio de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

03/06/2021 - 11h21

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Ana Regina Rêgo

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03/06/2021 - 11h21

29 de maio e as tentativas de silenciamento pela grande mídia brasileira

Protesto contra o presidente Jair Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo.

 Protesto contra o presidente Jair Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo.

Em 1984 a TV Globo tentou silenciar o Comício das Diretas Já! realizado na Praça da Sé em São Paulo. Os fatos: o comício e a ação de silenciamento da maior emissora de televisão do país, foram denunciados e posteriormente, ponto de reflexão e investigação científica por parte de pesquisadores de vários campos das humanidades, inclusive, meu.

Em 2015 e 2016 a grande mídia brasileira deu voz às manifestações pró impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, considerando não somente o critério de “noticiabilidade” de grandes eventos sociais, mas também a pauta política que lhes interessava.

Em 2018 silenciou diante do movimento mundial #Elenão (Movimento liderado por mulheres que se opunham à candidatura de Jair Bolsonaro)  realizado em centenas de cidades brasileiras e em inúmeras cidades mundo à fora. Neste fato específico, a mídia se posicionou não somente contra os partidos e movimentos de esquerda, mas terminou apoiando indiretamente a escalada do fascismo, considerado aqui na concepção de Humberto Eco como ur-fascism ou fascismo eterno, ao Palácio do Planalto. 

Hoje, a grande mídia, arrependida do apoio que, de certa forma, terminou dando ao então candidato Jair Bolsonaro, a quem passou a se opor veemente após o primeiro ano de mandato, sobretudo, no que concerne à pauta moral conservadora e condutas fascistas, ainda não encontrou os caminhos para se posicionar de forma clara e coerente com a instituição jornalística, visto que mesmo com toda a derrocada econômica do país, apoia a política neoliberal perversa e devastadora do atual Ministro Paulo Guedes.

Os eventos de 29 de maio de 2021 contra o atual Presidente foram realizados em 213 cidades no Brasil  e em mais 14 cidades no exterior, conforme dados do próprio Portal G1  e também da Revista Esquinas . Dentre as pautas do movimento, vale destacar as principais reinvindicações do povo brasileiro, cansado em meio à uma pandemia que já matou até a presente data, quase 470 mil pessoas por COVID-19 neste país, quais sejam: VACINAS PARA TODOS e IMPEACHMENT DO PRESIDENTE.

No dia 30 de maio de 2021, domingo, aFolha de São Paulofoi o único entre os três maiores jornais do país a trazer as manifestações na primeira página com a manchete: Milhares saem às ruas contra Bolsonaro pelo país e com uma grande foto do evento realizado na Avenida Paulista, por outro lado, os jornais O Estado de São Paulo e O Globo optaram pela tentativa de silenciamento de um fato histórico, a exemplo do que já fizeram em outros momentos no passado.

O Estado de São Paulo trouxe como principal manchete uma pauta voltada para o futuro da economia turística: Cidades turísticas se reinventam para atrair home office. No jornal O Globo a pauta em destaque também foi econômica e voltada para o desempenho do Produto interno bruto: PIB reaquece e empresas desengavetam R$164 bilhões em projetos.

Portanto, diante do cenário de jogos narrativos impulsionados pelos grandes jornais brasileiros  que tentam privilegiar o esquecimento em detrimento da construção de uma memória social, coletiva e quiçá histórica. Diante da tentativa de silenciamento de fatos históricos transformadores que mobilizam movimentos sociais e políticos de uma grande parte da Nação insatisfeita com o atual governo, principalmente, considerando os desmandos e a necropolítica exacerbada durante a pandemia da Covid-19, vale nos voltarmos tanto para as questões éticas da instituição jornalísticas, como para os modos de interveniência da mídia na construção da memória no presente.

O jornalismo e a mídia  procuram trabalhar intervindo diretamente na construção mnemônica de uma sociedade, pautando acontecimentos que desejam destacar e relegando ao esquecimento outros tantos, que em alguns momentos, desejam silenciar. Por outro lado, vale pensar que o jornalismo é uma instituição que trabalha tanto colhendo testemunhos dos personagens e das instituições que estão implicadas nos eventos que narra, mas também se coloca socialmente como testemunha de uma dada temporalidade e contextualidade. Ao optar pelo Rio de Lethe (o rio do esquecimento) em eventos de grande relevância social, a mídia/jornalismo não somente tenta modificar os rumos do presente, mas influir na história e nos rumos do futuro, através das mudanças que pode operar no presente que logo se tornará passado.

Essa conduta depõe contra a ética jornalística e se coloca como gradual influenciadora na suspeição que sofre o jornalismo hoje no Brasil e no mundo. Posicionamentos políticos e revelação dos lugares de fala, são necessários no jornalismo atual, mas isso não deve comprometer a qualidade da cobertura jornalística necessária para que a sociedade se informe sobre os acontecimentos do presente.  A omissão jornalística na cobertura de um fato social de grande abrangência e repercussão se coloca ao lado da desinformação, cujo mercado opera com grande força em nosso país, potencializando a polarização política, pois dá força ao desentendimento pautado em narrativas que focam na opinião, nos valores e nas crenças e não nos fatos, que silenciados passam a sofrer ataques e suspeição.

Como bem nos diz Paul Ricoeur, filósofo francês, quando trata do testemunho em nível individual e que aqui trazemos para o nível midiático, a autenticação do testemunho só será então completa após a resposta em eco daquele que recebe o testemunho e o aceita: o testemunho, a partir desse instante, está não apenas autenticado, ele está acreditado. É o credenciamento, enquanto processo em curso, que abre a alternativa da qual partimos entre confiança e suspeita.

A omissão do testemunho histórico por parte da mídia que ainda se mantém credível em certa medida,  depõe contra si mesma e consolida a força da desinformação, cujos players mercadológicos e ideológicos jogam fortemente contra o jornalismo e sugerem aos seus seguidores e em alguns casos, fiéis, que se informem não por meios jornalísticos, mas pelos canais alternativos de comunicação pelas redes sociais e aplicativos de mensagem.

Recentemente, cerca de 10 grandes jornais brasileiros aceitaram veicular um informativo pago por uma associação de médicos do Recife que defendem o tratamento precoce já tão rebatido e condenado pelos cientistas da linha de frente da Covid-19. Tal fato, revela não somente a grande crise entre os regimes de verdade da ciência ( evidência) e da medicina prática (experiência) que incorre em um processo ético considerável e em perda de vidas, mas revela também, e,  sobretudo, a ausência de ética da mídia brasileira que ao receber tal informe, optou pelo comercial e pelo lucro pontual, em detrimento da pauta jornalística de combate efetivo à desinformação.
Dias melhores ao Brasil e ao jornalismo brasileiro!
 

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