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Quinta-feira, 09 de maio de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

17/06/2021 - 11h11

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

17/06/2021 - 11h11

Empatia, afetividade e a mobilização do sensível na ação política

Inicio minha coluna de hoje com o relato de duas experiências pessoais e ao mesmo tempo coletivas que começamos nos anos de 2020 e 2021.A primeira delas, a Rede Nacional de Combate à Desinformação RNCD-Brasil fruto das inquietações provocadas pelos resultados da minha pesquisa de Pós-Doutorado junto à ECO-UFRJ, potencializadas pela pandemia da COVID-19 e peloaumento absurdo da criação e da fruição de fake News no Brasil. A segunda iniciativa foi o Movimento pela Empatia e pela Vida-MEV que junto com pesquisadores de outras áreas das ciências iniciamos em abril deste ano dentro de um Grupo de Trabalho de assessoramento a SBPC-Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Ambas as iniciativas, assim como, outras tantas, nos permitiram perceber aquilo que tem sido propagado já há algum tempo: o fato de que os afetos movem o mundo. 

A RNCd-Brasil cuja articulação iniciamos há mais de um ano e que foi lançada em 24 de setembro de 2020 com 33 parceiros de várias partes do Brasil e que hoje já somam quase 120 parceiros interligados não só na plataforma e nas redes sociais da RNCd, mas principalmente, pelo objetivo comum de trabalhar com informação enquanto conhecimento comunicado. Nessa rede a ideia é unir esforços através da somam dos trabalhos que já realizamos em nossos lugares. Na RNCd é possível encontrar projetos de universidades públicas e privadas, coletivos, laboratórios, redes, grupos e núcleos de pesquisa, instituições do terceiro setor, agências, projetos de divulgação científica, englobando as mais variadas áreas das ciências, extrapolando o ambiente da informação, comunicação e jornalismo e chegando até a filosofia de um lado, e, à imunologia e a farmácia, por outro. 

Na Rede o que nos mobiliza a andar juntos é tanto um processo de empatia e identificação de objetivos prementes em nosso país no momento, que  unepesquisadores de São Borja no Rio Grande do Sul, Cruzeiro do Sul no Acre,  Rondonópolis no Pará a Vitória da Conquista na Bahia, passando por todas as regiões e mais de uma dezena de estados. 

No MEV a nossa intenção era criar uma corrente empática entre pesquisadores e coordenadores de Programas de Pós-Graduação para a atual situação de extrema fragilidade dasaúde física e mental das comunidades acadêmicas e científicas do Brasil, na atualidade pandêmica em que nos encontramos, com o aumento das atividades diárias, a invasão do trabalho na estrutura do lar, a Covid-19 e o medo e a angústia, não somente pela possibilidade iminente de morte, mas de um futuro que, muito diferente do que anuncia o mercado, não se denuncia visível, muito menos sinaliza como possível, a esperança/expectativa desenhada há cerca de 3 anos atrás. Durante a coleta de assinaturas do MEV para envio à CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, muitos pesquisadores relataram perdas de familiares, ausência de tempo para o luto e saúde mental debilitada.

E essa realidade nos levou não somente a pensar ainda mais sobre o que estamos fazendo, trabalhando incessantemente ao lado vale de lágrimas e do rio das lamentações em que nos encontramos em que os cadáveres de acumulam pelo caminho e nós seguimos em uma normalidade anormal e excludente, sem ter a real percepção do tamanho da catástrofe em que estamos mergulhados. Não quero com isso dizer que devemos parar tudo e mergulhar na angústia e na melancolia, ao contrário, começo afirmando que essa realidade invivível como o foi o Shoah, o Holocausto, nos afeta e é pelos afetos que começamos o caminho para a empatia. E sei que a empatia, como muitos conceitos, carrega sua carga de problemas, mas tentarei minimizar tal carga com umainterlocução arriscada e que é carregada de grande força política que seria a estrutura de sentimentos de Raymond Williams.

Nesse sentido, a conceituação de empatia que usamos se pauta no pensamento de Christian Dunker para quem a “empatia não é a efusão de afetos idênticos, a afinidade sobreposta de gostos ou o apoio massivo a posições, modos de se comportar ou emitir opiniões. Isso tudo pertence mais ao campo da simpatia, das afinidades eletivas e das identificações do que ao da empatia, onde a diferença entre um e outro é o ponto de partida para este duplo processo de subjetivação da imagem, e de imaginarização do sujeito cujo resultado é a formação de um laço simbólico entre ambos”.

Nesse sentido, quando iniciamos um processo empático pelo exercício de se colocar no lugar do  outro e assim tentar acessar seu sofrimento, temos que nos policiar visto que esse acessar pode servir tão somente a nós e não nos impelir a uma ação em prol do outro. Assim, a empatia efetivamente só pode começar quando para além de nos colocarmos no lugar do outro, nos afetamos pelo que no outro é outro e reconhecemos tal lugar, como nos diz Christian Dunker, sem julgamentos ou interpretações prévias, em busca de um encontro ( este é o sentido de empatia que estamos procurando trabalhar na RNCD). Entretanto, em nosso caso, o processo empático que procuramos não é o psicológico individual que demanda um outro processo analítico mais aprofundado, em nosso caso, procuramos na empatia o reconhecimento do que no outro é outro, mas é também nosso, nesse momento de pandemia e de suspensão temporal, de suspensão da experiência do tempo antropológico, como o conhecíamos, e muitas vezes de interrupção da vida. 

A empatia que buscamos foi acessada no momento em quefomos afetados pela dor do outro, que é também se manifesta em nossa nação que sangra ininterruptamente. 

Este afetar que nos comoveu e nos comove nos leva àação, ação política, politização, não em seu sentido negativado, mas no sentido de pôr a política em movimento. E aí é que a afetação que sentimos nos mobiliza afetos que transformamos em potência mobilizadora de mais e mais afetos. Essa noção localizamos de forma mais elaborada na estrutura de sentimentos de Raymond Williams para quem as “estruturas de sentimento” são, sobretudo, formas emergentes, visíveis talvez como alterações da ordem ou mesmo “perturbações” . Essas estruturas movidas por afetos não estão submetidas à burocracia e formam mobilizações que contrapõem os poderes hegemônicos e o status quo vigente. Em tese são processos sociais difusos e indefinidos que se contrapõem aos padrões  existentes, mas que possuem força para, por meio da empatia, enquanto partilha de afetos, mobilizar sentimentos em prol de mudanças sociais necessárias. 

Pela Vida! Vacina para Todes! Máscara como ato de amor e respeito! Viva!

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