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Domingo, 28 de abril de 2024
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Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

07/10/2021 - 18h30

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

07/10/2021 - 18h30

Quem é você em um cenário de economia da ação?

 

Começo meu texto de hoje com uma advertência: _ não se trata de um texto de incentivo ao empreendedorismo, palavra que aliás não se enquadra na maioria das coisas que se realiza no mundo atual e que denominam negócios, visto que em muitos e muitos casos, trata-se tão somente de escravidão ao novo colonialismo, e, na maioria das vezes, envolve uma ação completamente inconsciente por parte dos “empreendedores” brasileiros. 

O título sugestivo, no entanto, refere-se a um processo mais profundo no qual a sociedade atual encontra-se mergulhada, embora, completamente inconsciente. Trata-se das estratégias de ação que movem o core business das big Techs, conformando seu maior ativo, o capital de predição de seus milhões e milhões de usuários, negociados a todo vapor, com o mercado de anunciantes, que por sua vez, também se enquadra na cadeia da produção de conteúdo, e, disputa atenção, mas também sofre com a vigilância, embora, raramente tenha consciência de toda a engrenagem na qual está inserido.

Até recentemente falávamos de centralidade da mídia, posteriormente, passamos a falar em ubiquidade das redes na bios virtual, hoje, no entanto, os engenheiros de software das empresas do Vale do Silício falam em intervenção, ação e controle ubíquos. De acordo com Shoshana Zuboff, pesquisadora e professora da Harvard Business School, “o poder real é que agora podem-se modificar ações em tempo real no mundo real.  Sensores inteligentes conectados podem registrar e analisar qualquer tipo de comportamento e, de fato, descobrir com mudá-lo. A analítica em tempo real se traduz em ação em tempo real”.

É bem provável que a maioria dos meus leitores não se interesse pela temática, pois acreditam que esta, está distante de seu cotidiano. O desafio que se impõe, portanto, é sensibilizar o senso comum para a visualidade e potência da economia da ação que, diferentemente do que pensamos, não somente está inserida em nossa cotidianidade, mas tem poder para modifica-la. 

Como nos esclarece Shoshana Zuboff, a capacidade de intervenção das redes na vida social tem se potencializado com a intencionalidade de prever o comportamento que irá compor o capital de predição formado pela redes a partir da vigilância dos usuários, capital este que passa a ser vendido em tempo real ao mercado, e se coloca como um imperativo  de predição que termina por enfatizar as economias da ação. Nas palavras da autora, “esse período representa a complementação dos novos meio de modificação do comportamento, uma evolução decisiva e necessária dos “meios de produção” do capitalismo de vigilância rumo a um sistema operacional mais complexo, iterativo e potente. Sob o capitalismo de vigilância, os objetivos e operações de modificação comportamental automatizada são planejados e controlados pelas empresas para atender aos próprios objetivos de receita e crescimento”.

No caminho da economia da ação que pressupõe parcerias com as estratégias da economia da atenção e sob a tutela do capitalismo de vigilância, três principais abordagens básicas se estabelecem objetivando o sucesso da ação intencional das plataformas em direção ao controle dos usuários, objetivando a mudança comportamental que lhes interessa.  É novamente Shoshana Zuboff quem nos esclarece. A primeira abordagem estratégica é o Sintonizar que pode acontecer de diversas formas e envolver “palpites subliminares programados para moldar de maneira sutil o fluxo de comportamento no exato tempo e lugar para a influência ter o máximo de eficiência”, ou ainda utilizar estímulos díspares em direção ao consumo de determinados conteúdos, conformando aspectos de uma arquitetura de escolha que pode alterar o comportamento de uma pessoa de modo previsível. 

Os engenheiros de software das grandes plataformas digitais denominam de arquitetura de escolha a estruturação de situações que podem ser acionadas para canalizar a atenção dos usuários e moldar a ação destes. Nas redes sociais, por exemplo, a maioria das ações já definidas de modo intencional e objetivam comportamentos específicos. 

A ação, no entanto, não está sendo planejada somente pelos engenheiros já mencionados, mas participam do processo de construção das estratégias que estruturam a arquitetura de escolha, tanto economistas comportamentais quanto os adeptos do capitalismo de vigilância que o usam para fortalecer financeiramente seus impérios corporativos atuais.  Os economistas comportamentais porque acreditam na falibilidade da ação humana e desejam guiar a ação pessoal através dos mecanismos disponíveis na biosvirtual. Já os capitalistas de vigilância terminaram por adaptar as ideias dos economistas comportamentais objetivando legitimar suas ações na comercialização direta, tanto da predição comportamental, quanto das possiblidades de mudanças comportamentais. 

A segunda abordagem estratégica é diretamente de vigilância (o pastorear) e consiste em controlar elementos essenciais concernentes aos usuário, segmentando a atuação das redes e limitando a ação dos usuários, exercendo não somente a vigilância, mas o controle comportamental.

A terceira e última abordagem é o condicionar  e está relacionada com a indução direta de mudança comportamental e sofre influência da abordagem behaviorista de Skinner, comumente recorrente em ações da sociedade de massa e agora da sociedade em rede. O reforço da ação é chave para o condicionamento do usuário que já vigiado pelos dispositivos móveis que utiliza, fornece inconscientemente, informações sobre suas ações cotidianas. Como nos diz Shoshana Zuboff, “à medida que sinais monitoram e rastreiam as atividades diárias da pessoa, a companhia vai dominando aos poucos o esquema de reforços- recompensas, reconhecimento ou elogio que podem provocar com bastante sucesso os comportamentos específicos do usuário que a companhia seleciona para dominar”.

De modo simplista, podemos dizer que a economia da ação desempenha no atual cenário de capitalismo de vigilância dominado pelas gigantes digitais, um papel central na articulação dos fluxos do capital de predição comportamental, com os quais essas grandes plataformas nos negociam nas redes, ao tempo em que exploram nossa atenção e nos vigiam diuturnamente, obtendo lucros inimagináveis. 

Então quem é você nesse cenário? Um usuário inconsciente das ações e das respostas que dá aos estímulos nas redes sociais? Estímulos que muitas vezes surgem a partir de desinformação, fakes e mentiras. Ou, alguém consciente de que é preciso não somente ter controle sobre sua vida e suas ações nas redes digitais, mas de que é necessário lutar e combater os controles impostos pelos “deuses” do Vale do Silício. 

Comece pensando sobre seu comportamento, comece checando as mensagens que recebe, comece não compartilhando desinformação, comece tentando entender o ponto de vista do outro, comece saindo da bolha que o aprisiona em uma só opinião. Mas comece de algum modo a se tornar um cidadão consciente e não um usuário controlado. 

Jornal GGN

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