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acessepiaui@hotmail.com

17/04/2022 - 06h49

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17/04/2022 - 06h49

ELE NÃO VENCEU A COVID

Barros Júnior (camisa amarela) e seu irmão Eneas Barros

 Barros Júnior (camisa amarela) e seu irmão Eneas Barros

Aproximava-se de uma da manhã quando o celular tocou. Era minha mãe. “Aconteceu o pior”, disse ela, naqueles primeiros minutos de 13 de abril. Eu havia acabado de me recolher, sabendo que as esperanças de que meu irmão Barros Júnior se recuperasse estavam cada vez mais distantes. O vírus maldito se apossou de seu organismo e se foi, deixando sequelas que nem a medicina e nem as orações conseguiram debelar. 

Na UTI do HTI, onde esteve, era a luta do antibiótico contra a bactéria, da esperança contra o vírus, do corpo contra o tratamento. Curava-se uma parte, já outra caía; levantava-se aquela, uma nova era derrotada. E assim foram 64 dias de internação, duas intubações, uma traqueostomia, diversas hemodiálises, bolsas de sangue e um grande alento: toda a família vibrou no dia em que ele voltou a falar, a interagir, a se sentar, a se alimentar, a fazer perguntas, a se impacientar, a viver novamente. Um quarto foi preparado para o seu retorno ao lar. 

Mas uma noite, enquanto dormia, teve uma crise de saturação e precisou ser intubado novamente. Voltou à UTI, derrotando os ânimos que haviam se apossado da família. O quadro piorava a cada hora, entre uma eterna competição dos pulmões com os rins, em meio à oscilação da pressão arterial. Tudo era instável, até que mais uma queda de saturação o levou a uma parada cardiorrespiratória à 00:30 e o corpo desistiu: foi vencido pela Covid. 

Depois do telefonema de minha mãe, eu e minha esposa fomos ao hospital, ajudar a família naquele momento de incompreensão e desespero. Fizemos o reconhecimento do corpo, um momento que foi descrito com imensa emoção por Socorro de Maria, deixando no ar uma pergunta intrigante:

“Quando chegamos na UTI, o corpo estava embrulhado por um pano azul. A enfermeira abriu a parte de cima e mostrou um rosto pálido, rígido, os olhos lacrados e as pálpebras inchadas, que não pareciam suas. A impressão é a de que não era ele, mas um corpo vencido pelas bactérias, na desigual luta travada com antibióticos, antifúngicos, albuminas e diuréticos. Onde estará ele agora?”.

Barros Júnior era um homem pouco social. Preferia o sossego familiar de sua residência no bairro Socopo, ou de sua casa na praia de Maramar, às rodas sociais da cidade e seus restaurantes badalados. O que conforta é saber que ele morreu em sono profundo, mas o que entristece é ver que minha mãe teve que sepultar um filho. Ela disse: “Esse vírus tentou levar meu filho mais velho e não conseguiu, mas conseguiu levar o mais novo”.

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Eneas Barros é escritor piauiense e irmão do ex-vereador Barros Júnior - nas redes sociais. 

Arquivo pessoal

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