Facebook
  RSS
  Whatsapp
Terça-feira, 16 de abril de 2024
Municípios /

Dom Inocêncio

Dom Inocêncio

contato@acessepiaui.com.br

16/02/2018 - 18h23

Compartilhe

Dom Inocêncio

contato@acessepiaui.com.br

16/02/2018 - 18h23

Colaboradoras de SC relembram momentos marcantes na Fundação Ruralista

Décadas após terem deixado o Piauí, elas voltaram para rever amigos e reviver a época em que atuaram na região.

Liege (à esquerda) e Cidinha na Fundação Ruralista

 Liege (à esquerda) e Cidinha na Fundação Ruralista

Reviver um passado de dedicação ao próximo, reencontrar amigos e rever um lugar onde ajudaram a fazer história. Mais de três décadas após terem deixado a Fundação Ruralista, no semiárido piauiense, Maria Aparecida Pereira e Liege Maria Homem voltaram esta semana à entidade. Em solo sertanejo, elas marcaram época ao colaborarem com as ações sociais desenvolvidas pelo Padre Manuel Lira Parente.
 
Maria Aparecida, conhecida como Cidinha, foi a primeira enfermeira profissional a atuar na Fundação ainda na metade da década de 1970. Liege Homem foi a primeira catequista que Padre Lira levou para a região, em 1980, com o objetivo de fazer a catequese com os alunos nas escolas da entidade espalhadas em meio à caatinga. Juntas, elas voltaram ao lugar esta semana, receberam o carinho dos moradores e relembraram momentos históricos vividos ali.


Maria Aparecida conta como atuou na Fundação (Foto: Gustavo Almeida)
 
CIDINHA: A PRIMEIRA ENFERMEIRA
Cidinha tinha cerca de seis anos de formada quando chegou à Fundação em meados de 1974. Ela já tinha ouvido falar da saga do Padre Lira através do livro “Um Homem contra a seca”. A missão principal da jovem enfermeira era ajudar o padre no socorro aos sertanejos picados por cobras, uma das principais causas de mortes na região naquele período. Inicialmente, ela foi para a Fundação durante suas férias para ensinar algumas pessoas a aplicarem o soro antiofídico.
 
Após cumprir a missão, a catarinense retornou a São Paulo, onde trabalhava para a prefeitura, mas não esqueceu o que viu no sertão e quis voltar. Foi aí que conseguiu, através de uma amiga, ser cedida pela prefeitura de São Paulo para a Secretaria de Saúde do Piauí, exclusivamente para atuar na Fundação Ruralista. Daí em diante, o trabalho se tornou mais amplo, fazendo vacinação de crianças e adultos e ainda realizando partos, outra causa de mortes muito elevada na época.


Elas vieram de Florianópolis, em Santa Catarina (Foto: Gustavo Almeida)
 
“Eu vim nas férias aqui para ensinar o pessoal a aplicar injeção, por causa da questão das picadas de cobra, pois o padre tinha o soro aqui, mas não tinha quem aplicasse. Me parece que só quem aplicava mesmo era ele. Aqui a gente também desenvolveu um trabalho de imunização das crianças e dos adultos porque tinha a possibilidade de tétano. Nós fazíamos a vacina da criançada toda. Trabalhei também com a questão dos partos, pois quando aparecia algum eu fazia aqui. Distribuía medicação, fazia atendimentos e ensinei pessoas a aplicarem injeção. Na época me chamavam de doutora, porque não tinha médico aqui”, relata.
 
Ela permaneceu na entidade até a segunda metade da década de 70. Cidinha conta que na época ainda não existia a Maternidade Peggie Benton e os partos eram realizados numa sala no pavilhão onde hoje fica a capela de Nossa Senhora das Mercês. “A Maternidade foi depois, com elas [se referindo a enfermeiras inglesa e alemã que vieram mais tarde]. Eu fazia partos naquele prédio onde tem a capela. Ajeitei uma sala lá para fazer os partos, mas depois ajeitaram a maternidade e a Casa das Mães”, conta.
 
Questionada sobre uma das lembranças mais marcantes da passagem pela Fundação, a enfermeira relembra o socorro a um homem picado por uma cascavel. Ela relata que num certo dia, durante a madrugada, foi chamada para socorrer o sertanejo em estado crítico numa comunidade rural. Bastante debilitado, o homem só conseguia enxergar vultos e tinha dores no corpo inteiro.


Cidinha relembra atendimento a homem picado por cobra (Foto: Gustavo Almeida)
 
“Ele também queria urinar e não conseguia. Eu sabia que a cascavel atingia o rim e fiquei super preocupada imaginando que, de repente, o soro nem iria resolver porque já tinha atingido o rim. Eu disse pra ele: ‘olha, talvez passando uma sonda a gente consiga que você urine, mas nem sei se na Fundação tem sonda que dê para passar. Vamos até lá e se não der a gente vai para São Raimundo’. Aí nós chegamos aqui numa Rural, desci para ver se tinha a tal da sonda. Até que o motorista foi lá me avisar e disse que não precisava de mais nada porque ele tinha conseguido urinar, mas a Rural ficou cheia de sangue. Aí gente deu muito líquido a ele e apliquei mais soro até a urina clarear. Ele ficou uns dois dias aqui, depois foi para casa e foi melhorando a visão, as dores, até que reverteu o quadro. Isso para mim foi uma experiência inédita, marcante”, lembrou.
 
Para Cidinha, o trabalho da Fundação Ruralista, em todas as frentes, foi decisivo para a melhoria de vida na região. Ela afirma que as pessoas que passaram pela entidade, mesmo as que deixaram o município, são diferenciadas. “Eu sempre falei para o Padre Lira que na questão da educação, mesmo aquelas pessoas que saíram daqui, que não conseguiram ficar aqui, pois ele queria diminuir esse êxodo, mas o trabalho da Fundação fez com que essas pessoas, mesmo saindo, não fossem ser uma pessoa qualquer lá fora. Isso tem um valor muito grande”, conta.
 
Ela também falou sobre o dia em que recebeu a notícia da morte de Padre Lira, em 13 de setembro de 2015. Emocionada, diz que vinha se preparando há algum tempo para o dia da notícia chegar. “A gente já estava se preparando, porque a gente vinha acompanhando a doença dele e sempre conversava com a Conceição. Muitas vezes ela bem desesperada, porque era meio sozinha cuidando dele. E a gente vinha dando o apoio porque sentia que era o fim dele. Foi muito triste, mas já estávamos preparadas. Ele já tinha uma idade avançada e era um homem muito trabalhado”, disse.


Liege desenvolveu trabalho religioso no início dos anos 80 (Foto: Gustavo Almeida)
 
LIEGE: PIONEIRA NA CATEQUESE
Liege Maria Homem fez inicialmente uma visita de seis meses para conhecer o trabalho da Fundação. Após esse curto período, voltou a Florianópolis, mas se preparou para regressar ao Piauí. Permaneceu na entidade entre 1980 e 1982, trabalhando na parte religiosa, mas também colaborando no que fosse necessário.
 
“Foi uma convivência muito boa, muito gostosa, onde eu aprendi muito com o povo, conheci o que é o povo brasileiro da outra parte do Brasil e isso fez com que eu me entendesse melhor também. Fiz muitas amizades. Hoje a gente retorna aqui e o pessoal ainda reconhece a gente, recebe com carinho, é um povo acolhedor. Isso engrandece a gente em dois lados: o social e o religioso, pois a gente não vive sem um e nem o outro. Digo isso enquanto cristã, essa é a minha linha de trabalho”, conta.


Cidinha e Liege contam histórias marcantes na Fundação (Foto: Gustavo Almeida)
 
Em dois anos de atividade no sertão piauiense, Liege percorria as escolas da Fundação espalhadas nas comunidades rurais. Na época, o município de Dom Inocêncio, fundado por Padre Lira em 1988, ainda não havia sido emancipado e a área pertencia à São Raimundo Nonato.
 
“Como eu era responsável pela parte sacramental e de preparação, foram marcantes as primeiras comunhões que houve, a crisma, a visita do senhor arcebispo aqui. Toda essa estrutura em termos de sair para as comunidades para celebrações litúrgicas. Para mim, tudo tem seu valor, mesmo quando a gente tinha que poupar a água gota por gota por causa da seca. Tudo era valor, porque tudo enobrece a vida e o sentido cristão é viver o amor”, conta.


Missa proporcionou reencontro com amigos (Foto: Gustavo Almeida)
 
Para Liege, Padre Lira foi um ser humano chamado por Deus para assumir uma missão e erguer sua obra. “Eu fico imaginando assim: o que é um ser humano chamado por Deus, porque a sabedoria vem do Alto, que assume, se humilha para poder erguer uma comunidade à humanidade? Porque eu acho que foi isso que ele fez. Pedir é uma humilhação muito grande, estar atrás de alguém que colabore é uma humilhação. E isso ele fazia com naturalidade e muitas vezes com êxito. Mas quantos nãos ele recebeu! Deve ter voltado para casa muito triste, mas não largou e continuou a caminhada”, fala.


Colaboradoras participaram de uma missa na Fundação (Foto: Gustavo Almeida)
 
VISITA MARCANTE
Cidinha e Liege passaram cinco dias na Fundação e deixaram a comunidade nesta quarta-feira (14). Na noite do dia 13, elas participaram de uma missa na sede da entidade dedicada ao Padre Lira, cuja morte completou 2 anos e cinco meses. A celebração comandada pelo pároco Amadeus Rocha, da paróquia de Dom Inocêncio, também foi em ação de graças pela visita das duas à Fundação.
 
 

Gustavo Almeida

Comentários