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Quinta-feira, 28 de março de 2024
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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

26/10/2017 - 11h05

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Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

26/10/2017 - 11h05

Erupção vulcânica

– da atualidade do pensamento jornalístico combativo do século XIX-

De súbito apareceu na corte um tremendo cataclismo, fazendo tremer convulsivamente em sua base o império todo! [...] O que foi isto? [...] O imperial Vesúvio deitou terríveis lavas sobre o Herculanum constitucional, que jazia descuidada na base da montanha traidora [...]. Em outros termos: foi uma dessas revoluções que por mais desastrosas que sejam jamais se reputam criminosas [...]  Foi uma revolução monárquica, dessas que o gênio do mal patrocina sempre. ( David Moreira Caldas, Erupção Vulcânica, Jornal O Amigo do Povo, Teresina, 1868).

 

 

Quando em 1868 David Caldas jornalista piauiense escreveu em seu jornal O Amigo do Povo  contra a monarquia e a figura do imperador, debatia-se na corte o fim do período de Conciliação. Na época como hoje, decisões do poder maior do país afetavam a constituição e prejudicavam a população, mas não dissertarei aqui sobre o passado [1], ao contrário trarei os ensinamentos de David Caldas para pensarmos o presente, em que desde 2016 temos assistido de certa forma apáticos, o imperial Vesúvio atual, Sr. Presidente Temer, do alto dos  3% de aprovação ao seu governo,  comandar uma chuva de ataques aos direitos adquiridos na Constituição de 1988, dita Cidadã, sendo que muitos destes direitos foram regulamentados e postos em práticas nos últimos governos.

 

 

Em nossa breve retrospectiva das maldades de Vossa Temeridade ( plagiando aqui Thiago Ramos e Rogério Narciso) podemos começar com a PEC 241 ( 55)  que limitou e congelou os gastos públicos, educação, saúde, cultura e diversos outros setores foram prejudicados. Em 2017 muitos Institutos de Pesquisa e Universidades públicas com ensino e pesquisa de excelência e modelo para o mundo, estão quase de portas fechadas, muitos não conseguem pagar os funcionários, nem as contas de água e energia. No que concerne à saúde então, a coisa ficou mil vezes mais complicada, visto que o cenário que já não era promissor,  agora é degradante.

 

 

Esse era o começo, mas nas palavras de David Caldas “ A moderna hydra de Lerna não é combatida por um Hércules; entretanto as 7 cabeças renascem sempre que o monstro se lembra de mudar de pele conforme a sua hedionda constituição [...]. David Caldas se referia a hereditariedade do trono e ao poder moderador. Contudo, vemos que na atualidade o último modelo mais moderno da hydra de Lerna em nosso país também não é combatido à altura, visto que com apenas 3% de aprovação da população consegue comprar e manobrar todo o Congresso nacional a seu bel prazer. Libertando senadores corruptos dos processos e punições que deveriam sofrer, assim como, salvar sua cabeça.

 

O povo, no atual governo, não passa de massa desconsiderada e desprezada, nem parece que o poder que desfrutam os nossos corruptos e péssimos representantes veio do povo. Talvez por isso mesmo, cresça a intenção de instalar neste país de democracia tão recente, novamente um regime ditatorial. Enquanto nos digladiamos nas mídias sociais, os corruptos fazem a festa em Brasília.

 

Uma nova pele da hydra de Lerna foi revelada quando o Excelentíssimo Senhor Presidente dos outros, enviou para o Congresso a proposta de Reforma Trabalhista, hoje também já aprovada. Essa Reforma que restringiu direitos e legalizou práticas de exploração do trabalhador foi criticada e combatida inclusive pelos Tribunais Regionais e Federal do Trabalho. Todavia  foi somente o princípio para se voltar a era da escravidão em nosso Brasil cuja cor de anil já não se vê mais, pois Vossa Temeridade enviou uma Portaria que fragiliza completamente a fiscalização contra o trabalho escravo e descriminaliza posturas empresariais predatórias. A polêmica portaria do trabalho escravo teve a defesa do Ministro do Supremo Tribunal, Gilmar Mendes, que declarou recentemente, que seu trabalho era exaustivo, mas não considerava um trabalho escravo.

 

Por Deus! Em que país vive Gilmar Mendes ? Talvez na Pasárgada de Bandeira.

           

Uma das metáforas mais utilizadas por David Caldas para se referir ao Imperador que não mais reconhecia como chefe de Governo, isso bem antes da criação do partido Republicano em 1870; era Aranha Real. Referia-se em face do tamanho da teia que a Aranha comandava e dos milhares de filhos que  aobedeciam. O paralelo com a Vossa Temerosidade também é possível visto que ospolíticos apesar das várias operações contra a corrupção continuam atuando como se nada estivesse acontecendo, como se 70% do Congresso não estivesse envolvido em denúncias e processos de corrupção. A teia continua viva e o dinheiro saindo dos cofres públicos para as mãos dos deputados e senadores através de emendas ou em malas, sacolas e até cuecas.

 

Todavia, nós também estamos envolvidos nessa teia gigante que só nos prejudica, uma vez que as negociações escusas que se passam nos bastidores do poder ( teatro de sombras, plagio agora José Murilo de Carvalho) envolvem os recursos que deveriam ir para Ciências, Tecnologia, Saúde, Educação e nós assistimos a tudo ir pelo ralo.

           

 

David Caldas alertava para o fato de que “ os governos monárquicos eram, com raríssimas exceções governos corrompidos [...].Ainda que estejamos sob um regime absolutista hipócrita, cumpre ouvir os instrumentos da monarquia o nome a que eles tem feito direito, enquanto a voz da imprensa não é sufocada pelo aço do poder” . Nosso jornalista do passado sonhava em se livrar da corrupção e achava que isso aconteceria ao nos livrarmos da monarquia, mal sabe ele que a corrupção nos seguiu aos dias de hoje, quando encontrou terreno fértil para se fortalecer.

 

Por outro lado, vale pensar que a restrição de direitos agora assume a forma mais cruel e medieval, pois pretende atingir novamente os corpos. A cena do museu, muito bem trabalhada para atingir os mais ingênuos, foi apenas o estopim para uma possível aprovação de leis estaduais contra manifestações artísticas que envolvem o nu, como também, para o debate em torno dos casos de aborto já legalizados (em caso de estupro e de anencéfalos)  que volta à  cena, escondido por trás das boas intenções da PEC 181 que originariamente tinha somente a pretensão de prorrogar a licença maternidade em casos de bebês prematuros. Vale ficar alerta, porque como sempre, os homens cujo processo cultural de dominação considera natural  inclusivea exposição dos órgãos genitais masculinos em público, desejam nos fazer voltar à idade média.

 

Então, como bem nos alertou o jornalista David Caldas há mais de cem anos, vamos denunciar e falar enquanto podemos, porque se as mensagens extremamente conservadoras continuarem atingindo diretamente as mentes mais ingênuas, corremos sério risco de vermos novamente instalado no Brasil mais um governo ditatorial, em que não há corrupção visível, visto que ninguém pode falar, senão morre. Em que não há liberdade de pensamento, muito menos o direito de ir e vir. E onde o jornalismo será calado, censurado ou comprado.

           

 

[1] Interessados em conhecer mais nosso passado imperial e nossa imprensa podem ler Imprensa piauiense: atuação política no século XIX ( Ana Regina Rêgo, 2001).

Ana Regina Rêgo

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