Tempus regit actum é uma consagrada expressão latina usada em Direito, que significa, literalmente, “o tempo rege o ato”, no sentido de os atos e fatos jurídicos se regem pela lei do tempo em que se deram. Trata-se de um princípio universal do Direito, viga mestra da Ciência Jurídica, com aplicação especial no Direito Penal.
Tal princípio, no entanto, bem poderia ser aplicado à vida cotidiana das pessoas, das comunidades, das nações, de modo que a realização dos seus atos ocorressem sempre no espaço estrito dos tempos designados para se darem, sendo do conhecimento comum que a desobediência a mencionados tempos resulta quase sempre em prejuízos das mais variadas ordens.
Creio não ter sido por outro motivo que o Eclesiastes 3 registrou como palavra de Deus o alerta de que “para todo o propósito debaixo do céu há um tempo determinado”, advertindo-nos de que “há um tempo de nascer e um tempo de morrer, um tempo de plantar e um tempo de colher”.
De fato, quando ocorre de alguém nascer antes dos nove meses designados para este fim, de regra tal pessoa terá problemas de saúde durante sua vida. E quando um homem morre muito novo, quantos transtornos e tristezas isto nos traz! Nenhum agricultor sensato planta antes do tempo designado, pois se o fizer é quase certo que não terá boa colheita. Ora, sabendo de todas essas verdades, ainda assim os homens insistem – e os brasileiros especialmente – em desobedecer o tempo.
Há entre nós – agora passo a falar do Brasil, razão do título deste escrito – uma verdadeira guerra declarada ao tempo. Sendo ele um amo implacável, um rei poderoso que a ninguém espera e que por nada se detém, ainda assim por aqui quase ninguém o obedece.
Marca-se uma reunião para as oito e meia, quando deveria ter sido às oito, porque já se sabe de antemão que ninguém chegará às oito. Muitas vezes dá-se o caso de a reunião ser marcada para as oito horas, quando na verdade se quer que inicie de fato às oito e meia. Marcada a reunião para as oito, as primeiras pessoas começam a chegar às oito e quinze, e elas têm certeza de que há uma lei que as autoriza a atrasar os quinze minutos do trânsito. De modo que a maldita reunião que deveria ter começado às oito e estava marcada para as oito e meia vai começar lá por volta das nove. E, evidentemente, continuará a chegar gente até as por volta das dez, aproveitando para cumprimentar os presentes, atrapalhando o palestrante que, evidentemente, já está atrasado para pegar o avião, razão pela qual a palestra se encerra na metade.
A obra precisa ser feita com urgência. Abre-se o processo de licitação e o tempo previsto para concluir o certame é superado em três, quatro e até dez vezes! Concluída finalmente a licitação, o responsável pela obra fixa a placa no canteiro com o preço e o prazo de conclusão. Passam-se os tempos e quando se olha a enferrujada placa lê-se que o prazo para entregar a obra era três, quatro e até dez anos atrás. É claro que o preço elevou-se proporcionalmente ao atraso, mas ninguém, absolutamente ninguém, se sente responsável por tão infame descalabro.
Porém, nenhuma situação ilustra melhor o desprezo que os brasileiros têm pelo tempo do que esta: alguém precisa ir ao médico, liga para o consultório e pede para marcar uma consulta para o médico “x”. Do outro lado da linha a moça diz que tem vaga para tal dia. Após pegar os dados do “paciente”, a atendente, gentil, informa que o médico atende das oito às doze. Tá, e quantas pessoas estão na minha frente? Que horas é a minha consulta? Isto eu só posso lhe dizer quando o senhor chegar. Como assim quando eu chegar?! É que o médico atende por ordem de chegada. Mas então eu não precisava marcar! Claro que precisava, pois se o seu nome não estiver na agenda, o senhor não será atendido. Quer dizer, então, que a marcação é apenas do dia da consulta?! E no dia marcado, lá vai o “paciente”, cedinho, para o consultório, na esperança de ser o primeiro a ser atendido. Chega exatamente às sete horas, mas, surpresa!, a sala de espera já está lotada. E o pior é que nem reparou que precisava “tirar” uma senha, de modo que mais um agora estará na sua frente! Senha em mãos, é esperar a chamada. A voz eletrônica anunciou o número no exato momento em que o médico chegou, ali beirando as oito e cinquenta. O médico está atrasado, mas todos esperam. Número tal, guichê tal! Preenchida a ficha, pôde finalmente saber qual sua posição na fila. O senhor é o décimo segundo…, se não chegar prioridade. Impacienta-se, tem coisas a fazer naquele dia. Será que poderia ir ao centro resolver uns troços? Se eu fosse o senhor, não iria. Porquê?! Eu sou o último! Quanto tempo dura uma consulta? A atendente não sabe o tempo de duração de uma consulta. Depende, às vezes demora mais, às vezes demora menos… Estarei de volta antes das doze! Eu se fosse o senhor não arriscava, vai que hoje é um dia bom, com muito retorno e termina mais cedo! Se não há mais ninguém no consultório, o médico vai embora, não fica até às doze não. O médico não cumpre o horário de chegada e nem o de saída. Resolveu ficar. Último a ser atendido, entrou no consultório exatamente às treze horas e vinte e sete. A consulta durou cinco minutos, o tempo do médico prescrever quatorze exames. Veja que coisa: se o Senhor tivesse ido ao centro, teria dado tempo, né? Pois é, mas como é que nós poderíamos adivinhar que hoje seria um dia assim tão ruim?!
No Brasil, em lugar de sermos súditos do tempo, somos todos senhores do tempo de todos: o médico é o senhor do tempo dos seus pacientes; o juiz, do tempo das partes; a noiva, do tempo do noivo, do padre, dos convidados… E assim seguimos nossas vidas, em guerra com o tempo, mas na certeza de que o venceremos e um dia belo dia, como num passe de mágica, estaremos no “primeiro mundo”. Afinal, brasileiro não desiste nunca, né mesmo?
José Osmar
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