Facebook
  RSS
  Whatsapp
Quarta-feira, 24 de abril de 2024
Colunas /

Ana Regina Rêgo

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

28/12/2017 - 07h55

Compartilhe

Ana Regina Rêgo

anareginarego@gmail.com

28/12/2017 - 07h55

Quem é Jesus para você hoje?

Olá! Hoje falo com você de qualquer vertente do Cristianismo. Falo com você que se diz um seguidor de Cristo. Falo com você que diz ter encontrado Jesus. Falo com você que diz falar com Jesus.  Falo com você que decora os capítulos e versículos bíblicos. Falo com você que anda com uma bíblia sagrada nas mãos e todos os dias posta nas redes sociais alguma mensagem. QUEM É JESUS PARA VOCÊ NA ATUALIDADE?

Que tal lembrar quem foi Jesus no passado, para projetar quem seria Jesus no presente? Quem eram seus pais? Ricos? Potenciais negociantes? (José era carpinteiro, algumas teorias históricas dizem que José era um fazedor de cruzes para o Império Romano e que ensinou o ofício ao seu filho, que morreria em uma cruz, condenado pelo crime de pensar e desejar o melhor para o seu povo). Onde nasceu Jesus? No melhor hospital que o dinheiro pode pagar? ( De fato seria um erro histórico falar em hospitais na Judeia). Mas e hoje? Onde nasceria Jesus?

Qual o paralelo contemporâneo para o estábulo? O corredor das maternidades lotadas e sem estrutura onde muitas crianças nascem sem assistência porque o dinheiro para a Saúde escorreu pelo ralo?
Qual o paralelo contemporâneo para o povo explorado no Ocidente de hoje? Em nosso país? Quem mais sofre? As pesquisas nos respondem todos os dias: negras, negros, pessoas de baixíssima renda (que agora retornaram para a linha da pobreza), mulheres, homossexuais, transexuais.  

Então se Cristo efetivamente fosse retornar onde ele nasceria? Em que família? Quem ele seria? Nasceria nas famílias que afirmam com fé fervorosa que ouvem Deus lhes dizer qual o melhor caminho para ganhar dinheiro? Ou, nas que não possuem condições de sobrevivência porque tudo lhes foi negado, desde as condições mínimas de uma alimentação digna, a uma educação de qualidade, e um trabalho que possa lhes promover materialmente e espiritualmente?

Eu, se fosse Cristo, pensaria duas vezes antes de retornar, pois com certeza ficaria muitíssimo decepcionado. Todo o seu trabalho de conscientização. Todo o seu trabalho de luta pelo povo oprimido foi apropriado pelo Império que o combatia e que o condenou à morte. Toda a sua ideia de dividir o pão, ou seja, praticar o comunismo, seria tida novamente como subversiva e ele morreria novamente e talvez igualmente, pois hoje, muito se passa mesmo modo. Cristo tornou-se somente um nome e um discurso de projeção de um certo tipo de bem, mas a replicabilidade de suas práticas são completamente anuladas pelas práticas dos hipócritas que saem das Igrejas e vão apedrejar os homossexuais exalando ódio por pessoas que nem conhecem, quando não apedrejam e matam realmente; vão condenar as mulheres que sofrem estupro, pois em suas cabeças sujas toda mulher é culpada pelo crime que sofre; vão apoiar o fim dos benefícios para os mais pobres, pois em seu egoísmo não conseguem enxergar que um país precisa proteger seu povo da fome e da miséria e precisa lhes proporcionar dignidade e modos de sobrevivência, objetivando evitar a proliferação da violência, sobretudo.

E por que venho lhes perguntar senhores e senhoras de fé sobre o Cristo de hoje? Por muito motivos, mas uma cena vivenciada recentemente que revela nossa pior face, foi imperiosa para essa pergunta e esse texto incômodo. 

Todos os anos passo parte do Natal em minha cidade, com minha família, no sertão do Piauí, em Picos. Esse ano, como todos os outros,  fui  à Igreja com meus pais na véspera de Natal. O relógio marcava 17 horas e na porta da grande catedral havia dezenas de pedintes. Aquela cena me levou de volta ao passado, me levou para a minha infância quando eu não tinha consciência de que vivíamos em uma ditadura. E quando eu achava normal ter pessoas pedindo esmola, porque era como se fizessem parte da paisagem. Retornei a 1980 quando o Papa João Paulo II veio ao Piauí e uma faixa no meio da multidão que o recebeu “gritava”, à revelia do poder ditatorial vigente: Santo Padre, o povo passa fome!

As lágrimas vieram porque a cena que revivi nos diz o quanto esse país e sua elite de analfabetos culturais e sem sentimento de comunidade e humanismo é cruel. Em menos de dois anos retroagimos quase três décadas e todo o passado de desigualdades e preconceitos e desumanidade retornou para nos assombrar, agora com muito mais força. 

2018 vem aí e os hipócritas de todas as religiões já fazem campanha para os candidatos que desejam manter os pobres à margem da sociedade para que possam desenvolver a falsa caridade e postar nas redes sociais a sua pseudo bondade. E muitos desses hipócritas apoiam a pena de morte e até mesmo a diminuição da  maioridade penal, desejando aumentar a nossa população carcerária, contrariando toda e qualquer política educacional da maioria dos países do mundo, desconsiderando que já temos a terceira maior população de presos do globo. Apoiam os candidatos que querem uma ditatura e fazem apologia à tortura. Candidatos que proclamam que a homossexualidade é falta de surra em casa, fazendo a apologia à homofobia e violência. Candidatos que dizem que uma família só pode ser composta por homem, mulher e filhos, mesmo que essa família seja uma mentira completa. 

Então nesse cenário caótico. Quem seria Cristo hoje? Quem sabe ele não já nasceu em uma favela do interior do nordeste, filho de uma pobre mulher estuprada que não teve condições de o alimentar bem, ou de lhe dar uma boa educação já que os benefícios sociais foram totalmente cortados e ela precisou trabalhar em casas de família para conseguir colocar o mínimo na mesa. E quem sabe como Jesus não tinha o pai em casa, visto que seu pai foi o estuprador de sua mãe, e também não tinha a mãe em casa, porque ela precisava trabalhar mais de 12 horas por dia, já que agora não há mais lei trabalhista que garanta as 8 horas diárias máximas e que negociação se faz entre patrão e empregado em uma relação de poder desigual. Então quem sabe Jesus não foi assediado pelo crime organizado e se tornou, ao invés de carpinteiro e pregador, um menino aviãozinho entregador de droga e terminou sendo assassinado nas ruas da favela escura. 

Pois é, essa projeção bem que é possível, já que Deus mandou seu filho para nos salvar e não poderia lhe proteger dos homens que se dizem homens de Deus. Se essa possível projeção for verdadeira, lá se foi nossa salvação! Nós o matamos com nosso egoísmo consumista e diário. E o pior condenamos todos:  negras, negros, mulheres, homossexuais, pobres e todos em nome de Deus, porque em vez de nos concentrarmos nos reais ensinamentos de Cristo de fazer o bem sem olhar a quem, de lutar pelos mais pobres, de valorizar a simplicidade; nos focamos em uma falsa moral de regulação de corpos, prática que somente ingressaria no Cristianismo com muito fervor na Idade Média, período em que o poder divino e o poder real instituem a tal da Santa Inquisição e todo pensador livre e toda mulher que ousasse pensar seriam queimados como bruxos e bruxas. E não é que estamos de volta ao passado tentando regulamentar a cura gay e obrigar que mulheres que sofrem estupros não possam abortar, por exemplo. 

Por fim, termino como comecei hoje. QUEM É CRISTO PARA VOCÊ HOJE? 

QUEM É DEUS PARA VOCÊ HOJE? Um Deus que lhe leva a ganhar dinheiro e consumir sem limite? Uma entidade que lhe manda odiar os homossexuais, desprezar negras e negras, humilhar os pobres? Será que o seu Deus é realmente um Deus do bem? Se assim for, que tal se perguntar o que é realmente o BEM para você? 

Comentários