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Quinta-feira, 18 de abril de 2024
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Redação

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acessepiaui@hotmail.com

31/12/2017 - 18h17

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acessepiaui@hotmail.com

31/12/2017 - 18h17

A terrível desigualdade social entre nós brasileiros

Fiz minhas primeiras audiências de custódia como Promotor de Justiça. Compartilho observações e lições dessa experiência:

 

Fiz minhas primeiras audiências de custódia como Promotor de Justiça. Compartilho observações e lições dessa experiência:

1. Logo na primeira audiência vi o preso ser introduzido na sala sem camisa e algemado, com as mãos para trás. Tal situação parecia natural a todos os presentes (juiz, advogado de defesa, servidores e demais pessoas). Pedi a palavra ao magistrado e solicitei que fosse indagado à escolta se a retirada das algemas poria em risco a segurança dos presentes ou a do próprio preso? Em razão da resposta negativa, as algemas foram retiradas, mas o preso continuou sem camisa, porque, segundo ele, não lhe foi permitido trazê-la do local da prisão. Convém lembrar que uma das finalidades da audiência de custória, além de examinar a legalidade da prisão, é verificar se a dignidade do preso está sendo respeitada. Não é um paradoxo que ele seja levado à sala de audiência trajado de forma indigna? 

2. Iniciadas as audiências, o juiz sempre dirigia aos presos perguntas recomendadas pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Por exemplo, qual a cor da pele, o grau de escolaridade e a ocupação? Invariavelmente, os presos respondiam que eram pardo ou negro, com ensino fundamental incompleto (poucos alcançaram o ensino médio) e que estavam desempregados ou tinham ocupações informais. No segundo dia das audiências (fui substituir um colega), o juiz (que era outro) surpreendeu-me com uma pergunta curiosa: o magistrado fitava o preso e inquiria se falava outro idioma? Teve um preso que respondeu que só falava mal o português, porque era gago (risos);

3. Nos dois dias de audiências vi que quase todos os presos apresentados eram pardos/negros, com baixa instrução formal, desempregados ou vivendo na informalidade. Em suma, marginais sociais. Aqui cabe o truísmo: a segurança pública depende e muito da segurança social. Não tenho dúvida de que uma das principais causas da violência urbana é a ignominiosa desigualde social. A redução desta é, a meu ver, a chave para alcançarmos a paz social. Causaram-me grande impressão as palavras iniciais do livro mais famoso de direito penal e processo penal da era moderna (Dos delitos e das penas), escrito nos idos de 1763 pelo Marquês de Beccaria : “as vantagens da sociedade devem ser distribuídas equitativamente entre todos os seus membros... as ações da sociedade devem ser orientadas para uma finalidade única: todo o bem-estar possível da maioria”. Não é curioso que uma obra escrita para defender a humanização das penas inicie com essas palavras? Está claro que Beccaria compreendia que as injustiças sociais constituiam uma causa muito poderosa para a existência de crimes e de criminosos; 

4. O perfil dos presos conduzidos às audiências é apenas a ponta do iceberg que constitui uma das maiores chagas da nossa sociedade: a terrível desigualdade social existente entre nós brasileiros. Dela decorrem muitos de nossos infortúnios; 

5. Daí porque uma das formas que escolhi para contribuir por uma sociedade mais justa é, como cidadão, apoiar as forças políticas, os diversos grupos sociais e as pessoas empenhadas em tornar o Brasil um país de todos. E apesar dos “tempos sombrios”, continuo acreditando que a esperança possa vencer o medo!

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Edilsom Farias é Promotor de Justiça - nas redes sociais. 

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