Com sua permissão para um preâmbulo mais que audacioso logo no iniciar dessa nossa conversa aqui. Em pleno ataque de atrevimento, arrisco uma comparação da minha aprendiz a pessoa (!) com os inimputáveis dramaturgos Ariano Suassuna e Osman Lins.
O primeiro, da Paraíba, legou-nos, no imaginário da Literatura, os pitorescos Chicóe João Grilo (no cinema: Selton Mello e Matheus Nachtergale, respectivamente), do clássico O Auto da Compadecida. O segundo, ninguém menos que o pernambucano que deu vida à encantadora Lisbela (Débora Falabella) e ao amado vigarista cheio de charme de nome Leleu (Selton Mello, novamente), no romance Lisbela e o Prisioneiro (imagem acima).
Foi muita audácia, não foi? Tenho certeza que um xingamento qualquer lhe veio à mente agora! Por favor, deixe-o aí mesmo, que explicação há.
Tal qual os romancistas de excelência inquestionável que já partiram para a colônia das estrelas, também eu não aprecio em nada a exacerbada verborragia dos palavrões. Sequer nas páginas da vida; tampouco, nas páginas da Literatura. É aqui que ficamos na comparação. E tão somente.
Assim,ler qualquer impresso com nome de obra literatura crivado de destemperos e obscenidades despropositais tem sido um exercício bem difícil, em tempos de artes de consumo.
Ariano já dizia: "eu não gosto de palavrão, acho vulgar e mesmo sem graça! Só gosto de ouvir uma obscenidade quando ela é dita de maneira inteligente, dessa maneira que Freud disse: quando ela é dita, colocando-se a obscenidade por baixo de palavras de aparência inocente”.
Aos contadores (emergentes e aspirantes) de história, fica a dica! E, seguimos com Suassuna, incondicionalmente.
A Literatura, mesmo em tempos de liberdades e democracias (questionáveis!), segue sendo uma Arte:a habilidade de narrar, versificar ou dramatizar um enredo! Um livro é um registro imortalizador. Artístico ou documental, o livro resguardará, para as gerações porvir, ideias, emoções, saberese fazeres que o autor ou a autora venha a registrar, na condição de quem conta a história.
Obscenidade não humaniza. Torna medíocre.
Particularmente, penso que, colocar um quilo e meio de xingamentos e obscenidades na boca de um personagem com o fim de torná-lo “mais humano”,é subjugar a arte literária à equivocada simplificação do humano como empobrecimento vocabulário raivoso somente.
Que me desculpem os que apregoam a estranha obrigatoriedade da Literatura em“mostrar gente de verdade” em suas páginas! Questionável isso! Realidade - nua e crua - é para o Jornalismo. E atentai que existe, ainda assim, quem proteste!
O uso estético da linguagem escrita. Isso é Literatura. Desde a antiguidade até os dias de hoje. E torço para que este ofício sobreviva à era do desguarnecido descartável.Literatura é a prosopopeia da vida. É o “transitar” nas ideias, nas mensagens e nas emoções das tramas interessantes e dos personagens imortalizáveis e arrebatadores!
Se possível for, é abrir uma página de um livro e mergulhar de cabeça em um universo inteiro de irreal puro. Quem é que quer realidade como entretenimento? Que cumpra seu papel o documental!
Humanizar demais a coisa literária (recheando-a de obscenidades e porcarias linguísticas, como reclama Ariano Suassuna) é extirpar da Literatura sua mais linda função:a de arremessar o leitor da realidade a outra dimensão, a ficcional.
E vale recomendar não cair na tolice de rotular como aborrecido aquele contador de história que não lança mão de palavrões para fazer a ponte de seus pensamentos com seus personagens. As narrativas de Ariano e Osman são tudo, menos maçantes! Quem já leu ou assistiu e deu boas risadas com Lisbela e Leleu, Chicó e Zé Grilo, sabe do que estou falando aqui.
Os personagens dos romances de Lins e de Suassuna desenvolvem falatórios extremamente formidáveis, contagiantes quantas vezes os revejamos, sem cuspir uma só obscenidade! Nem quando fazem obscenidade. E observemos que um dos seres centrais da trama do Auto da Compadecida é um espertalhão (Zé Grilo) capaz de levar na conversa até o senhor das trevas! Em Lisbela e o Prisioneiro, temos, dentre outras pérolas da narrativa sem palavrões, o meu predileto, o Frederico Evandro (Marco Nanini), um sanguinário matador de aluguel impiedoso, mas incapaz de mortificar o idioma nacional.
Frederico Evandro– sanguinolento, sim, mas sem assassinar o português
Como, então, xingar sem soltar um palavrão...
Ariano Suassuna ensina, para bom apreendedor, como expressar raiva, medo, desgosto, revolta e os eteceteras de modo enfatizado, sem, porém, pronunciar um só destempero!
A lição, nas palavras do mestre (tem vídeo no Youtube, para reforçar o aprendizado):
“Tem uma história do povo que diz que, lá no Recife, vinha um frade capuchinho.Ele tomou um taxi e sentou ao lado do motorista. e o motorista era um desses motoristas loucos. Naquele trânsito doído, encheu o pé e começou a fazer loucura (no trânsito). Aí, o frade arrastou o rosário e começou a rezar, com medo. Aí, de repente, o motorista foi ultrapassar um carro, vinha um ônibus e para não bater no ônibus, ele virou assim e bateu num pé de figo Benjamim.Pá! Quebrou a vidraça, o frade bateu a cabeça, cortou-se no vidro, puxou o lenço e colocou (na testa), para segurar o sangue, e falou para o motorista:
— Ô, meu filho, seu pai e sua mãe ainda são vivos?
— São.
— Você quer me apresentar os dois para eu fazer o casamento deles?”
O primeiro, da Paraíba, legou-nos, no imaginário da Literatura, os pitorescos Chicóe João Grilo (no cinema: Selton Mello e Matheus Nachtergale, respectivamente), do clássico O Auto da Compadecida. O segundo, ninguém menos que o pernambucano que deu vida à encantadora Lisbela (Débora Falabella) e ao amado vigarista cheio de charme de nome Leleu (Selton Mello, novamente), no romance Lisbela e o Prisioneiro (imagem acima).
Foi muita audácia, não foi? Tenho certeza que um xingamento qualquer lhe veio à mente agora! Por favor, deixe-o aí mesmo, que explicação há.
Tal qual os romancistas de excelência inquestionável que já partiram para a colônia das estrelas, também eu não aprecio em nada a exacerbada verborragia dos palavrões. Sequer nas páginas da vida; tampouco, nas páginas da Literatura. É aqui que ficamos na comparação. E tão somente.
Assim,ler qualquer impresso com nome de obra literatura crivado de destemperos e obscenidades despropositais tem sido um exercício bem difícil, em tempos de artes de consumo.
Ariano já dizia: "eu não gosto de palavrão, acho vulgar e mesmo sem graça! Só gosto de ouvir uma obscenidade quando ela é dita de maneira inteligente, dessa maneira que Freud disse: quando ela é dita, colocando-se a obscenidade por baixo de palavras de aparência inocente”.
Aos contadores (emergentes e aspirantes) de história, fica a dica! E, seguimos com Suassuna, incondicionalmente.
A Literatura, mesmo em tempos de liberdades e democracias (questionáveis!), segue sendo uma Arte:a habilidade de narrar, versificar ou dramatizar um enredo! Um livro é um registro imortalizador. Artístico ou documental, o livro resguardará, para as gerações porvir, ideias, emoções, saberese fazeres que o autor ou a autora venha a registrar, na condição de quem conta a história.
Obscenidade não humaniza. Torna medíocre.
Particularmente, penso que, colocar um quilo e meio de xingamentos e obscenidades na boca de um personagem com o fim de torná-lo “mais humano”,é subjugar a arte literária à equivocada simplificação do humano como empobrecimento vocabulário raivoso somente.
Que me desculpem os que apregoam a estranha obrigatoriedade da Literatura em“mostrar gente de verdade” em suas páginas! Questionável isso! Realidade - nua e crua - é para o Jornalismo. E atentai que existe, ainda assim, quem proteste!
O uso estético da linguagem escrita. Isso é Literatura. Desde a antiguidade até os dias de hoje. E torço para que este ofício sobreviva à era do desguarnecido descartável.Literatura é a prosopopeia da vida. É o “transitar” nas ideias, nas mensagens e nas emoções das tramas interessantes e dos personagens imortalizáveis e arrebatadores!
Se possível for, é abrir uma página de um livro e mergulhar de cabeça em um universo inteiro de irreal puro. Quem é que quer realidade como entretenimento? Que cumpra seu papel o documental!
Humanizar demais a coisa literária (recheando-a de obscenidades e porcarias linguísticas, como reclama Ariano Suassuna) é extirpar da Literatura sua mais linda função:a de arremessar o leitor da realidade a outra dimensão, a ficcional.
E vale recomendar não cair na tolice de rotular como aborrecido aquele contador de história que não lança mão de palavrões para fazer a ponte de seus pensamentos com seus personagens. As narrativas de Ariano e Osman são tudo, menos maçantes! Quem já leu ou assistiu e deu boas risadas com Lisbela e Leleu, Chicó e Zé Grilo, sabe do que estou falando aqui.
Os personagens dos romances de Lins e de Suassuna desenvolvem falatórios extremamente formidáveis, contagiantes quantas vezes os revejamos, sem cuspir uma só obscenidade! Nem quando fazem obscenidade. E observemos que um dos seres centrais da trama do Auto da Compadecida é um espertalhão (Zé Grilo) capaz de levar na conversa até o senhor das trevas! Em Lisbela e o Prisioneiro, temos, dentre outras pérolas da narrativa sem palavrões, o meu predileto, o Frederico Evandro (Marco Nanini), um sanguinário matador de aluguel impiedoso, mas incapaz de mortificar o idioma nacional.
Frederico Evandro– sanguinolento, sim, mas sem assassinar o português
Como, então, xingar sem soltar um palavrão...
Ariano Suassuna ensina, para bom apreendedor, como expressar raiva, medo, desgosto, revolta e os eteceteras de modo enfatizado, sem, porém, pronunciar um só destempero!
A lição, nas palavras do mestre (tem vídeo no Youtube, para reforçar o aprendizado):
“Tem uma história do povo que diz que, lá no Recife, vinha um frade capuchinho.Ele tomou um taxi e sentou ao lado do motorista. e o motorista era um desses motoristas loucos. Naquele trânsito doído, encheu o pé e começou a fazer loucura (no trânsito). Aí, o frade arrastou o rosário e começou a rezar, com medo. Aí, de repente, o motorista foi ultrapassar um carro, vinha um ônibus e para não bater no ônibus, ele virou assim e bateu num pé de figo Benjamim.Pá! Quebrou a vidraça, o frade bateu a cabeça, cortou-se no vidro, puxou o lenço e colocou (na testa), para segurar o sangue, e falou para o motorista:
— Ô, meu filho, seu pai e sua mãe ainda são vivos?
— São.
— Você quer me apresentar os dois para eu fazer o casamento deles?”
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