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Segunda-feira, 20 de maio de 2024
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José Osmar

José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

03/06/2019 - 08h32

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José Osmar

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03/06/2019 - 08h32

IMPRESSÕES DE UMA VIAGEM A CUBA (CAPÍTULO III)

Pela manhã, passeamos pelo centro velho da cidade de Trinidad, fundada em 1514. A primeira visita foi à Igreja da Santíssima Trindade.

Trinidad vista do alto, em destaque a torre do antigo convento onde funciona o Museu Nacional da Luta Contra Bandidos.

 Trinidad vista do alto, em destaque a torre do antigo convento onde funciona o Museu Nacional da Luta Contra Bandidos.

Nosso segundo dia em Cuba terminou na primeira hora do terceiro dia, no pequeno restaurando do Enrico, a vinte passos de nossa pousada, no centro de Trinidad, às margens do Mar do Caribe.

Minha tosse persistente e um pouco de falta de ar nos obrigou a ir para a cama mais cedo, deixando consternadas as três professoras nordestinas. Às dez horas elas seguiriam para Santa Clara, enquanto nós permaneceríamos em Trinidad, para conhecer a cidade e sua história. Prometemos nos encontrar no Brasil, dadas as afinidades gastronômicas, etílicas e políticas…

Pela manhã, passeamos pelo centro velho da cidade, fundada em 1514. A primeira visita foi à Igreja da Santíssima Trindade, na Plaza Mayor (Praça Maior), um bonito templo católico do século XVIII, cheio de arte sacra de muita qualidade. Na igreja havia muita gente, mais turistas do que fies. Ao lado da igreja, uma escadaria, no alto da qual tem um bar (Casa de la Música) onde todas as noites há música ao vivo (ali os turistas são incentivados a aprender a dançar os ritmos caribenhos, mas os meus achaques respiratórios me impediram de tentar). Durante o dia, a escadaria está sempre repleta de pessoas, olhos grudados nos celulares – ali é o melhor local da cidade para o sinal da internet.

Em seguida, fomos ao Museo Nacional de la Lucha Contra Bandidos, localizado no prédio de um antigo convento também do século XVIII. Estão lá inúmeras fotografias, documentos, armas e veículos militares, além do pedaço de um avião dos Estados Unidos, abatido por ocasião da chamada “crise dos mísseis” (confronto entre os EUA e a União Soviética, em 1962, quando os soviéticos decidiram implantar mísseis balísticos em Cuba, como resposta à invasão da Baia dos Porcos). O Museu conta a história da luta do exército de Fidel Castro e Chê Guevara contra os contrarrevolucionários, apoiados pelos Estados Unidos e chamados de “bandidos”.

Terminada a visita ao museu, aproveitamos para conhecer ainda outros pontos turísticos da cidade, ruas antigas que ainda preservam o casario e a pavimentação medieval (lembra muito o centro velho de Salvador, Ouro Preto e São Luís), nas quais grupos de três ou quatro músicos cantam lindas canções caribenhas, mistura da alegria rítmica do caribe com uma tristeza melódica que atribuo ao banzo (a região de Trinidad, com seus inúmeros engenhos de cana-de-açúcar, ainda hoje preservados como atração turística, foi a que mais recebeu escravos africanos entre os séculos XVI e XVIII).

Depois do almoço, partimos para mais um programa imperdível: conhecer (e tomar banho) na Playa Ancon, que fica a uns quinze minutos de Trinidad, tida por muitos como a mais bonita do Caribe. De fato, é linda demais! As águas azuis e mornas estão quase sempre cheias de turistas europeus, canadenses e norte-americanos, hospedados em hotéis e resorts espalhados por mais ou menos cinco quilômetros de praia. Ao longo da costa era possível observar muitos barcos cheios de turistas fazendo passeios pelas águas calmas daquele maravilhoso oceano. Perguntei ao Yuri e ele nos disse que os cubanos são proibidos de fazerem aqueles passeios. Por que, Yuri? Porque o governo tem medo que a gente sequestre os barcos e fuja para os Estados Unidos. Você fugiria, Yuri? Nunca!, eu amo o meu país, disse ele, com uma tranquilidade veemente. Fiquei a pensar sobre a situação dos cubanos, “presos” em seu próprio país, embora um bom número deles, por terem cidadania espanhola, viajem com o passaporte daquele país e retornem normalmente para Cuba, como haveríamos de constatar pouco tempo depois (voltarei a este tema em capítulo específico).

E assim, o nosso primeiro dia em Trinidad se encerrou sob a luz tênue do pôr do sol do Mar do Caribe…

Pelo nosso roteiro, na manhã do dia seguinte pegaríamos a carreteira com destino a San German, na Província de Holguin, onde encontraríamos um amigo médico cubano e sua família. À noite, porém, Yuri fez uma sugestão: por que não sairíamos um pouco mais tarde, depois de vermos o treinamento das milícias? Milícias?! (Essa palavra nos soa mal, dada a realidade do que significa no Brasil).

Como não tínhamos compreendido do que falava, ele explicou: no dia seguinte, pela manhã, uma parte da população civil de Trinidad receberia instrução de tiro e talvez nós devêssemos conhecer aquele evento. Mas para que os civis treinam tiro, Yuri? Em caso de guerra, todo cubano é um soldado. Claro que queríamos conhecer um tal acontecimento, ainda que para isso tivéssemos que alterar todo o nosso calendário!

No dia seguinte, por volta das 09:00H, lá estávamos nós num distrito rural de Trinidad. Paramos às margens da estrada e pudemos ver, ao alcance de uns duzentos metros, num estande aberto à visão do público, um número significativo de civis, homens e mulheres, jovens e de meia idade, praticando tiro ao alvo, com armas que de longe pareciam fuzis, metralhadoras e pistolas, sob a orientação de militares. Alguns até aprendiam a operar um tanque de guerra, para cuja manobra o tráfego teve de ser interrompido enquanto os militares o estacionavam numa instalação às margens da estrada onde estávamos. Uma grande multidão de locais se ajuntara para ver o treinamento. Bandeiras e faixas exaltavam a coragem e a determinação do povo cubano de defender a revolução. Aquele evento inusitado obedece a um calendário anual em todo o país, ocorre à luz do dia e à vista de todos, tratando-se de um acontecimento político muito importante para a formação das milícias cubanas, força civil armada que se porá em marcha em caso de invasão estrangeira. Yuri esclareceu que os civis cubanos não podem andar armados no dia a dia mas, em caso de guerra, todos receberão as armas para as quais tiveram o devido treinamento. Olhando assim, pode-se concluir que Cuba conta com cerca de sete milhões de combatentes preparados, entre soldados profissionais e milicianos (paramilitares). Os Estados Unidos têm cerca de 1,4 milhão de soldados na ativa e mais uns oitocentos mil na reserva.

Apesar de ser realizado às claras, aquele não é um evento corriqueiro, e para ser testemunhado por turistas como nós há de se está no lugar certo e na hora certa, o que é muito difícil. Foi realmente uma grande sorte termos conhecido o Yuri.

Após o almoço, seguimos para a Província de Holguin.

(Continua no próximo capítulo...)

José Osmar

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