Facebook
  RSS
  Whatsapp
Segunda-feira, 20 de maio de 2024
Colunas /

José Osmar

José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

10/06/2020 - 10h35

Compartilhe

José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

10/06/2020 - 10h35

IMPRESSÕES DE UMA VIAGEM A CUBA (CAPÍTULO V)

Eu, particularmente, gosto de visitar cemitérios. Nosso objetivo principal em Santiago era visitar o túmulo de Fidel Castro.

Túmulo de Fidel Castro, no cemitério de Santa Ifigênia, em Santiago de Cuba.

 Túmulo de Fidel Castro, no cemitério de Santa Ifigênia, em Santiago de Cuba.

De San German tomamos uma estrada secundária (vicinal, diríamos aqui no Brasil) para acessar a Carreteira Central, pela qual chegaríamos ao nosso próximo destino, Santiago de Cuba. Nosso objetivo principal em Santiago era visitar o túmulo de Fidel Castro.

A distância entre San German e Santiago é de cerca de 170 quilômetros, vencidos com muita dificuldade nos primeiros trinta quilômetros pela estrada secundária, totalmente destruída. Acessada finalmente a Carreteira, a viagem transcorreu normalmente. Por volta das 14:30 fizemos o check-in no imponente Hotel de Las Américas, em Santiago de Cuba. Os empregados se esforçam para manter o hotel em boas condições, mas a tarefa não parece fácil: faltam insumos. O café da manhã tem pouca variedade, suficiente, porém. Olhando o rol de entrada, os amplos apartamentos, os corredores, as louças dos banheiros, o mármore das pias, os elevadores, a prataria do restaurante…, pode-se ver que aquele hotel já viveu tempos áureos.
 
Santiago é uma cidade linda. Fundada em 1515 pelos espanhóis, tem uma população de cerca de quinhentas mil habitantes. Limpa e segura é, no entanto, poluída como Havana, tal é a quantidade de carros antigos a jogarem fumaça preta no ar.

Coincidiu de estarmos lá num domingo. Não muito distante do nosso hotel teve uma linda festa popular, numa praça ampla. Música caribenha, danças populares, crianças, jovens, idosos. Parece que todos acorrem à praça no domingo para se divertir. Jovens usando camisetas com bandeira dos Estados Unidos, com estampas de Nova York. Tudo testemunhado pelo imponente prédio do Comitê Estadual do Partido Comunista de Cuba, que formoseia um dos lados da praça. 

Todos tomam sorvete em Cuba

Como era domingo, fomos tomar sorvete na Coppelia (Heladería Coppelia), a tradicional rede de sorveteria nacional. Em todas as cidades há uma filial da Coppelia. Não preciso dizer que se trata de uma sorveteira do Governo. Quase 100% das atividades econômicas em Cuba são do Estado. Havia filas, mas não demorou muito e fomos atendidos, tudo bem organizado. Sentam-se às mesas e à medida que tomam seus sorvetes dão imediatamente o lugar para os próximos. O pessoal que serve é educado e oferece sorvete, bolo e biscoitos – os cubanos tomam sorvete com bolo e biscoito. A variedade não é grande. Havia apenas quatro sabores naquele dia: baunilha, chocolate, morango e coco, com cobertura de caramelo, morango e chocolate. O preço estava em peso cubano. Sorvete é um item básico da dieta cubana, portanto, muito barato. Disse-nos o Iuri que o Governo entende que todos os cubanos têm direito de tomar sorvete ao menos uma vez por semana, especialmente as crianças. De fato, a sorveteria estava cheia de crianças com os pais e avós. Na Coppelia pudemos ver o socialismo funcionando. Todos, sem qualquer distinção, tomando sorvete numa tarde de domingo.

À noite formos jantar num restaurante privado, cujo nome me escapa no momento. Estávamos bastante curiosos. O restaurante fica perto do Hotel, fomos a pé. Lá, vimos que se tratava de um lugar muito agradável, decorado com esmero e com um cardápio excelente. Comemos ropa vieja (“roupa velha” - carne de gado desfiada com legumes e molhos), costilla de cerdo (costela de porco grelhada) e bistec de ganado (bisteca de gado), pratos bastante sofisticados e não muito baratos (cerca de 15 dólares cada um). Bistec de ganado é um prato com duas grandes bistecas de boi e acompanhamentos, oferecido por nós ao nosso - àquela altura - amigo Iuri, que há muito ansiava por comer carne bovina, produto escasso em Cuba. No local havia muitos turistas, mas notamos que a maioria dos clientes eram cubanos. Há alguma coisa acontecendo, silenciosamente, na economia de Cuba, pois os salários do Estado certamente não permitem que os cubanos paguem os preços daquele restaurante.

As pedras sobre as quais o País foi construído 

No dia seguinte, pela manhã, fomos cumprir o principal motivo de nossa ida a Santigado de Cuba: visitar o túmulo de Fidel Castro no Cemitério Santa Ifigênia, nos arredores da cidade. Logo na chegada assistimos à troca da guarda de honra que protege o local vinte e quatro horas por dia. Uma muito bonita cerimônia militar, marcial, que acontece sob os acordes de um hino em homenagem aos heróis da nação ali sepultados. Uma apresentação magistralmente coreografada e executada de meia em meia hora.

Eu, particularmente, gosto de visitar cemitérios, e Santa Ifigênia é simplesmente espetacular. Um mundo de mármore branco brilhando ao sol do caribe. Um suntuoso mausoléu abriga os restos mortais de José Martí, mas apenas uma grande pedra marca o túmulo de Fidel Castro. José Martí é o celebrado herói da independência de Cuba; Fidel Castro é o herói da revolução socialista. O Iuri não soube dizer se a diferença dos dois túmulos tem algum significado político intencional, se decorre de algum pedido específico de Fidel, talvez para não rivalizar com o heroísmo de José Martí, mesmo no cemitério.

Vendo a solenidade do nosso motorista ao ingressar no mausoléu de José Martí e sua visível emoção quando se pôs em frente ao túmulo de Fidel (aquela era a primeira vez que ele o visitava), pude compreender que realmente em Santa Ifigênia estão as pedras sobre as quais se construiu a nação cubana.

Uma cena triste em Santiago

Andando pelas ruas de Santiago deparamo-nos com uma pequena multidão em frente a um açougue. Paramos. Olhei para os velhos freezeres envidraçados do lugar e neles não vi nenhuma carne. Perguntei ao Iuri o que aquelas pessoas compravam ali. Elas compravam ossos. Ossos?! Como assim, comprando ossos?! Então, eu vi os ossos, e eles estavam totalmente pelados, cortados em pequenos pedaços. Sabe-se que o caldo de osso é um excelente suplemento natural para a cartilagem humana porque, além de sais minerais, ele é rico em colágeno. Também pensei que aqueles ossos seriam talvez utilizados para a fabricação de algum souvenir para venda aos turistas. Mas o Iuri explicou: “Nossas terras não são boas para a criação de gado e o bloqueio nos impede de importar carne suficiente para alimentar o nosso povo; então, com esses ossos nós fazemos um caldo e tomamos com salada.” Não se tratava, portanto, de uma preocupação com a saúde ou de uma questão cultural. Na verdade, os cubanos “comem ossos” por uma necessidade alimentar. Não se tem uma boa sensação quando se constata que em pleno Século XXI seres humanos são obrigados a comer osso porque outros humanos não permitem que tenham acesso à carne que lhes sobra. 

No dia seguinte viajamos para a Província de Santa Rosa, onde se acha o mausoléu do Chê, assunto para o próximo capítulo…

P. S.: Sempre que se referia ao governo, o Iuri usava o pronome “nosotros”, assumindo voluntariamente uma parcela de responsabilidade pelos destinos do seu povo, o que para mim é um notável exemplo de comprometimento pessoal com uma causa revolucionária cuja liga principal hoje parece ser a resistência ao incompreensível assédio dos Estados Unidos à nação cubana. 

José Osmar

Comentários