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Domingo, 19 de maio de 2024
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José Osmar

José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

23/02/2021 - 09h06

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José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

23/02/2021 - 09h06

CORONAVIRUS E DEMOCRACIA

 

Estamos completando um ano de pandemia. Recordo-me que pelo mês de fevereiro de 2020 eu não acreditava quando os especialistas diziam que se não fossem tomadas medidas rigorosas de isolamento social morreriam no Brasil dezenas de milhares de pessoas, e que nos Estados Unidos poderiam morrer mais duzentas mil. Fiquei bastante abalado com aquelas previsões, mas não conseguia acreditar. Para mim, os especialistas estavam errados. Porém, se estivessem certos, proporcionalmente, a China perderia cerca um milhão e meio de habitantes. Hoje, 23/02/2021, sabemos que eles estavam certos: no Brasil (211 milhões de habitantes) já morreram mais de 247 mil pessoas, nos Estados Unidos (330 milhões de habitantes) mais de 470 mil pessoas faleceram e na Índia (1 bilhão e 388 milhões de habitantes) mais 155 mil pessoas já morreram de Covid-19. Enquanto isso, a China (1 bilhão e 440 milhões de habitantes) perdeu 4.636 pessoas para a doença! Isso mesmo: APENAS 4.636 pessoas! Mais um dado importante: no Brasil, até agora, temos 9 milhões e 500 mil infectados; nos Estados Unidos, 27 milhões e 500 mil; na Índia, 10 milhões e 830 mil; na China, APENAS 89.692 pessoas foram infectadas até o momento! O número de infectados é importante porque ainda não se sabe que sequelas de médio e longo prazo a Covid deixará nas pessoas. Os infectados graves podem, por exemplo, ter dificuldade para desempenhar trabalhos que exijam esforço físico. As doenças que resultem da Covid podem levar a um grande aumento nos gastos com a saúde pública nos próximos anos em todo o mundo.

Voltando à China, se observarmos bem os seus números excepcionais na crise do coronavirus, uma pergunta não pode deixar de ser feita: o que levou os chineses a terem sucesso no combate ao vírus enquanto a nação mas poderosa do mundo está arrasada pela doença? Algumas explicações podem ser dadas, sendo a mais óbvia a desastrosa administração de Donald Trump, negacionista da ciência, tal como Bolsonaro no Brasil. Mas isto não explica tudo, pois outras nações democráticas administradas por governos altamente responsáveis, como a Alemanha, por exemplo, têm números mais ou menos equivalentes aos dos Estados Unidos e do Brasil. O que explicaria, então, o sucesso da China? O regime político? Bem, não é segredo que nos regimes democráticos as decisões dos governos estão sempre sob o escrutínio de uma série de órgãos de controle, e isto, naturalmente, dificulta a implementação das ações administrativas, muitas vezes comprometendo a sua própria eficácia. E no caso de uma pandemia como a do Coronavirus a demora é fatal.
 
Num regime democrático os direitos civis (liberdade de imprensa, liberdade de ir e vir, liberdade de empreender, de expressar ideias - ainda que falsas ideias) são “sagrados”. De modo que é quase impossível um governo democrático isolar uma cidade de 11 milhões de habitantes como WUHAN, na China, local onde a pandemia começou. Assim que os primeiros casos foram confirmados, na segunda quinzena de janeiro do ano passado, o governo chinês fechou a cidade. Durante mais de sessenta dias ninguém entrou ou saiu de WUHAN sem autorização das forças de segurança. Ninguém andava nas ruas sem autorização. Tudo fechou, exceto os serviços essenciais, a maioria deles assumidos pelos militares, que coletavam e distribuíam alimentos e remédio nas casas. O governo assumiu as comunicações e monitorou todas as mensagens da população da cidade. Não era permitido enviar mensagens com opiniões leigas sobre a doença, ou sobre ‘tratamentos alternativos’, muito menos espalhar fake news. Só as autoridades informavam a população. Todos os estrangeiros ficaram retidos até o fim da quarentena. E assim acontece sempre que são detectados focos da doença nalguma parte da China. No mês de junho de 2020 onze bairros residenciais de Pequim foram totalmente bloqueados e isolados devido ao surgimento de casos de covid. O surto foi rapidamente controlado. 

Como fazer isso no Brasil ou nos Estados Unidos? Imagine-se o fechamento total de uma cidade como São Paulo assim que  apareceram por lá os primeiros casos de Covid! Imediatamente seria deflagrada uma batalha midiática e judicial irresistível para qualquer governo. Que medidas resistiriam a isso? Que autoridade teria coragem de impor uma medida tão dramática numa democracia e correr o risco de responder a processos judiciais ou de ser defenestrada na próxima eleição? Algo assim até poderia se dá no âmbito do estado de defesa ou do estado sítio, mas estas são medidas que muito se assemelham a um estado de guerra. Na China, porém, com o seu regime comunista, de partido único, medidas de segurança social como as impostas em WUHAN são tomadas naturalmente, pois já estão previstas na Constituição como procedimentos normais do governo em casos de calamidade. No regime democrático o valor supremo é a liberdade; no regime comunista o valor supremo é a segurança coletiva. Eu sou um democrata convicto mas o Coronavirus me fez pensar seriamente sobre as chances de sobrevivência das sociedades democráticas em situações de emergência global como a que estamos vivendo.

*Dados sobre o Coronavirus acessados em: https://www.worldometers.info/coronavirus/

**Bloqueio de WUHAN pode ser vistos aqui: https://epoca.globo.com/mundo/coronavirus-wuhan-vira-cidade-fantasma-em-primeiro-dia-de-quarentena-24206384

***Bloqueio em Pequim pode ser visto aqui: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/06/13/pequim-confina-11-bairros-apos-novos-casos-de-coronavirus.ghtml

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