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Domingo, 19 de maio de 2024
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José Osmar

José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

02/03/2021 - 17h06

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José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

02/03/2021 - 17h06

Eleição no Brasil é um Negócio da China

 

Diz-se que alguém fez um “negócio da China” quando este lhe rende lucros muito acima daquilo que seria razoável auferir. A História revela que por volta do Século XV a Coroa Portuguesa conseguia obter lucros superiores a seis mil por cento com a venda de produtos comprados na Índia . É como comprar hoje uma mercadoria por R$10,00 e revendê-la por R$600,00. Por essa razão, as potências marítimas da época dispendiam esforços imensos para dominar os mercados da China e da Índia, inclusive fazendo guerras a essas nações. A possibilidade desses lucros estupendos justificava a perigosa empreitada.
 
Evidentemente, um comerciante só consegue ter lucros extraordinários assim quando o seu fornecedor não têm noção do real valor da mercadoria que vende, o que era exatamente o caso dos chineses e indianos naquela época. Isolados por milênios em seu mundo, eles não tinham noção da necessidade e importância que os consumidores europeus davam aos seus produtos, nem do desejo que eles tinham de possui-los. Necessidade e desejo são dois fatores que definem o sobrepreço dos bens e serviços.

Mas este não é um artigo sobre Economia, é sobre Política. Então, vamos a ela.

Inacreditavelmente passou a ser ‘normal’ ouvir de candidatos e eleitores a opinião geral de que no Brasil “quem não tem dinheiro não se elege”. A ideia de que a eleição é comprada parece já ser parte da cultura do povo, que fala do assunto abertamente, com espantosa naturalidade. Há exceções nesse pensamento, mas são poucos os que se manifestam contra a banalização do voto. A maioria se cala, e uma parte dos eleitores efetivamente aproveita a ocasião para arrancar ‘algum’ dos candidatos.

Então, como poderia a eleição brasileira ser um “negócio da China” se para se eleger o candidato gasta, para alguns cargos, segundo cálculos abalizados, até cinco vezes mais do que o salário que, eleito, receberá no mandato? Há alguma lógica comercial em um negócio assim? Onde estariam os lucros extraordinários dessa operação, para justificar a luta encarniçada que tantos empreendem por um mandato eletivo no Brasil ? À primeira vista, não faz sentido a ‘corrida para as índias’ da política brasileira. No entanto…, a chave para desvendar esse enigma tem nome: corrupção! 

No meu tempo de faculdade (nos anos oitenta) já falávamos da existência de um ‘pacto corrupto’ por lá: o professor fingia que ensinava, nós fingíamos aprender e, ao final, todos se ‘davam bem’. O professor ganhava o salário sem esforço e nós tínhamos o diploma, com o qual um político nos dava uma vaga no serviço público ou nas estatais, independentemente de competência.

Apesar de naquela época ainda sermos poucos na Universidade, as vagas de trabalho já não eram suficientes para todos nós. Porém, os que entravam na roda do emprego público automaticamente aderiam a um sistema que os deixava atrelados, a si e às suas famílias, ao político ‘protetor’, de sorte que o tal político se elegia (e ainda se elege) sem muito esforço, perpetuando um círculo vicioso que levou o serviço público brasileiro à calamidade que é.

Quando houve o esgotamento do emprego público, seja pela inexistência de vagas (já não havia onde acomodar tanta gente), seja pela popularização do concurso público ou pela privatização das estatais, o sistema político se voltou mais fortemente para a figura do ‘cabo eleitoral’. O presidente tem por cabos eleitorais os governadores, que por sua vez têm os deputados federais e estaduais, que têm os prefeitos, que têm os vereadores, que têm as lideranças de bairros e comunidades rurais. O sistema não é em si o mal; o mal é a forma como ele se alimenta.

É obvio que manter toda essa gente exige enormes quantias e até aonde se sabe não existem muitos cidadãos dispostos a doarem altruisticamente seus recursos sem garantia de que os terão de volta com juros. De modo que o financiamento eleitoral ocorre mais ou menos assim: pessoas e empresas investem nos políticos, cobrando juros (os agiotas) ou com a garantia de que terão obras ou serviços (as empresas); as obras e serviços são superfaturados ou não são prestados nos termos do contrato, de sorte que aquilo que excede do que seria o preço normal é devolvido ao político, que assim paga os agiotas e alimenta os cabos eleitorais; os cabos eleitorais mantêm os eleitores com a distribuição de benesses, como consulta médica, pagamento de pequenas despesas, doação de material de construção etc. O conhecido clientelismo político.

A normalização desse sistema corrupto transformou candidatos e eleitores numa horda de cínicos: uns prometendo mundos e fundos e os outros fingindo acreditar, quando na verdade a eleição se define mesmo é pelo dinheiro que “rola” no período eleitoral.

Quando olhamos para o mundo, constatamos que infelizmente a corrupção eleitoral não é um problema só do Brasil. Ela é um câncer que se instalou no seio de quase todas os sistemas democráticos, revelando-se tão maior quanto maior é o país e sua economia.

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