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Segunda-feira, 19 de maio de 2025
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19/05/2025 - 08h51

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Fusca Azul, Flor de Maracujá

 

Pepe Mujica foi o que todo político jura ser e raramente é: simples.

 Pepe Mujica foi o que todo político jura ser e raramente é: simples.

Quem já andou no barro das margens do Rio da Prata sabe: há homens que não andam — brotam. José “Pepe” Mujica não nasceu, floresceu. Como flor de maracujá num quintal pobre de Montevidéu, sob o sol de uma América Latina eternamente em guerra consigo mesma.

Aos 89 anos, o velho florista pendurou as botas. A foice chegou sem rodeio, como ele previa — mas não com violência, e sim com a educação de quem respeita uma alma grande. Porque não é qualquer morte que bate à porta de um homem que já enfrentou um fuzilamento e devolveu à vida um sorriso.

Mujica, guerrilheiro, ex-preso, presidente, foi o que todo político jura ser e raramente é: simples. Sua casa era uma chácara, sua condução um Fusca azul, sua fortuna uma cadela de três patas chamada Manuela e um jardim onde cresciam verduras e ideias. Não vestia terno, vestia coerência.

Quando os médicos lhe disseram que o câncer já tinha feito mala e cuia no esôfago e partido pro fígado, ele não apelou pro milagre, nem escondeu a má notícia. Disse com a mesma serenidade com que regava o canteiro: “É preciso morrer. Por isso a vida é uma aventura maravilhosa.” Falou isso olhando pra juventude, sem medo, como quem segura um punhado de terra e ensina: “planta aí que dá”.

Aquele que doou salário, legalizou a maconha e o amor entre iguais, recusava a ideia de herói. “Fiz o que pude”, repetia com a cara de quem fez mais do que muita gente junta. Ele que, preso por 12 anos, comeu sabão, dormiu no chão e se emocionou com um simples colchão velho. “A noite em que me colocaram em um colchão, me senti feliz”, disse certa vez. Tem gente que precisa de castelo pra se achar rei — Mujica precisava de dignidade pra ser gigante.

Lula, que o chamava de irmão escolhido, o homenageou com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Mas Mujica não parecia muito afeito a medalhas. Se fosse por ele, a condecoração vinha em forma de adubo. E ele, com certeza, enterraria ao lado das couves. “Recebo em nome do meu povo”, disse, e a frase cheirava a terra molhada.

Pepe foi desses que transformam a raiva em esperança e a dor em política amorosa. Dizia que democracia não é concordar, é respeitar. Que o mundo não se muda com ódio, mas com persistência. Que ser pobre não é vergonha, vergonha é esquecer o outro.

Agora, seus companheiros de guerrilha talvez ergam um brinde silencioso. Talvez Lucía, companheira de tudo, sussurre com os olhos uma oração vegetal. E a cadelinha Manuela, quem sabe, encoste-se à porta esperando que o Fusca azul apareça no portão — só pra levar o velho numa última volta pelo bairro.

Mujica morreu. Mas a morte, coitada, sai menor dessa história.

Porque tem vida que continua mesmo depois do ponto final.

No quintal de Rincón del Cerro, as flores continuam abrindo. E talvez uma delas diga em voz de vento: gracias, Pepe!

*****
João Guató, no Pasquim Cuiabano.


 

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