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19/11/2018 - 09h17

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19/11/2018 - 09h17

Bolsonaro não calibrou expectativas, logo eleitores querem resultados gigantescos

Venceu a eleição com uma base antissistema, antipetista e sem prometer nada. Só que todo mundo tem o direito de sonhar com tudo.

General Helano e Jair Bolsonaro

 General Helano e Jair Bolsonaro

Em 2014, o eleitorado antipetista e antissistema estava procurando uma alternativa. Com a morte de Eduardo Campos, Marina Silva ultrapassou Aécio e empatou com a Dilma. Isso significa que o estacionamento de votos antipetista e antissistema estava vacilando. A partir de 2014, e especialmente depois de Temer, o deputado Bolsonaro começou a dizer que era necessário eliminar o PT, mas que o PSDB era tão ruim quanto. Ou seja, "eles fazem parte de um teatrinho do sistema político e precisamos arrebentar esse teatrinho inteiro". De dezembro de 2014 até o Governo Temer, isso fazia sentido para uma parte do eleitorado, que é primeiramente antissistema —e que pode às vezes ser antipetista. Ele conseguiu uma mobilização de base muito importante, mas que ainda estava abaixo de dois dígitos. Quando vem os áudios da JBS, atingindo Temer e Aécio, ele então começa a ampliar sua base de votação, conseguindo parte do eleitorado que não necessariamente é antissistema, mas é antipetista. Agora, ele não tinha levado tudo.

Ele liderava a pesquisa num patamar de 20 e poucos porcento e, com a propaganda na TV, as pesquisas internas já indicavam que a campanha negativa estava surtindo efeito. Ele então leva a facada, que acabou sendo decisiva. Nesse momento, a parte do eleitorado antissistema e antipetista o identifica como o autêntico candidato antipetista e antissistema. Ele foi então excluído do contraditório, não teve mais que se expor e só se apresentou em ambientes favoráveis. Mais do que isso, teve uma exposição midiática infinitamente superior ao que ele teria na TV. Quando as pessoas dizem que a TV não teve importância, ao contrário. Basta olhar a cobertura da facada. Mas não foi o horário eleitoral, era 24 horas por dia em qualquer canal e qualquer lugar.

Não calibrou expectativas 

Bolsonaro manipulou o medo de milhões de pessoas, dizendo "olha, você já perdeu seu emprego, sua autoestima, seu salário, e agora querem tirar sua vida, sua família e sua religião". É uma base de revolta, que se torna antissistema e antipetista, tudo misturado, que é uma base a partir da qual ele consegue ir acrescentando eleitores. São vários interesses difusos aos quais ele não tem condições de atender. 

Ao mesmo tempo em que ele não foi exposto ao contraditório (na campanha) e teve uma cobertura midiática favorável, ele também não realizou uma operação que é fundamental em qualquer eleição, que é calibrar as expectativas. No momento em que ele ganha a eleição sem ter prometido nada, isso até pode aparecer o ideal, afinal não está comprometido com nada. Mas é o contrário. Porque todo mundo tem o direito de sonhar com tudo. As pessoas vão querendo resultados gigantescos.

Para calibrar essas expectativas, o que ele fez até agora foi terceirizar o Governo dele, meio que dizendo "olha, eu sou o presidente, mas se as políticas econômica, contra corrupção e de segurança não derem certo, não é culpa minha". Diante do fato de que não passou por uma campanha eleitoral e não calibrou expectativas, isso poderia até ser uma maneira astuta de resolver o problema. Mas e se esses enormes ministérios não entregarem nada? Como ele vai fazer? Ele vai ter que governar para essa sua base. Ele vai com seu discurso tentar mantê-la coesa enquanto os senhores feudais fazem coisas diferentes.

Crise de representatividade 

Ficou claro desde junho de 2013 que a maneira como o sistema funcionava já não era aceitável e que as forças políticas já não estavam conversando, porque estavam só fazendo cálculo eleitoral. Como o sistema político não se reorganizou para 2014, de acordo com as demandas de 2013, em 2015 a Lava Jato já estava a pleno vapor. Ela se tornou o inimigo comum do sistema político. Tudo o que ele fez foi contra a operação. Perdeu a chance a histórica em 2014 e se blindou em 2016 e 2018. A questão é a seguinte, vocês passaram cinco anos errando. Em 2018, foi dado ao eleitorado duas possibilidades: ou você deixa tudo como está ou você quebra e embaralha todas as peças. Optou por quebrar tudo. A imensa maioria votou negativamente, contra o PT ou o sistema. A questão toda é como essa frente democrática será capaz de convencer as pessoas que votaram no Bolsonaro, mas que não têm essa opção pela ditadura, de que o seu Governo ameaça a democracia e não vai responder aos seus anseios. Não existem 57 milhões de fascistas no Brasil. Se diante de todos os erros ao longo dos cinco anos ainda assim não tivermos uma repactuação, é porque esse sistema político de fato não tem mais nenhuma capacidade, nenhum vínculo com a sociedade. Ele tem dois, até as eleições municipais, que preparam as eleições gerais, para se reorganizar. Senão, vamos ter um longuíssimo período de instabilidade. E o impeachment vai durar.

Reconectar com a sociedade

Outra coisa é como os partidos vão responder a necessidade de se religar à sociedade. Vamos pegar o caso das últimas eleições dos Estados Unidos. Principalmente dentro do partido do Democrata, pessoas inteiramente desconhecidas, muitas delas mulheres e jovens, derrotaram nas primárias políticos que estavam há décadas no Congresso. E depois conseguiram se eleger. Essas pessoas conseguiram mobilizar o eleitorado jovem e insatisfeito com Trump porque deram a sensação de que tem uma renovação real da política. Não é só a mudança de um nome para outro, mas é uma prática política nova. Nas nossas eleições, uma coisa é você ter uma personalidade do PSL, um delegado, uma jornalista ou ator pornô. Essas candidaturas não foram resultado de processos políticos profundos. Tivemos poucas desse tipo, como a do Kim Kataguiri (MBL/DEM), da Áurea Carolina (PSOL) ou da Tábata do Amaral (PDT). São processos organizados nos últimos anos fora dos partidos, e que conseguiram espaço em um partido para apresentar sua candidatura. A sociedade tem um trabalho duplicado porque ela não só tem que se organizar, e organizar sua candidatura num processo político denso, como tem que brigar para que o partido abra a porta.

Uma das coisas que essa concertação democrática pode fazer é um movimento de abertura para a sociedade em todos os partidos da frente façam juntos. Prévias é um elemento. Você pode fazer previas internas nos partidos para o legislativo, ou prévias transpartidárias no caso das candidaturas pra prefeitura em 2020 para a formação de frentes de centro-direita ou centro-esquerda. Outro elemento importante é estabelecer regras transparentes de distribuição do fundo público dentro dos partidos. Não é mais possível que sejam deixados ao arbítrio das cúpulas partidárias. Tem que ter regras equânimes. E vai permitir federação de partidos? Candidatura coletiva? Candidatura independente? Se o sistema se reorganiza no sentido de tratar igualmente todas as forças políticas, ele está sinalizando para a sociedade que quer se reconectar com ela.

Já vimos que a economia não funciona de forma totalmente autônoma da política. Estamos passando por um sofrimento social horroroso que ninguém mais aguenta. Então, a repactuação da democracia significa voltar a poder ter crescimento econômico, desenvolvimento social e que as pessoas voltem a se sentir representadas. Porque não é só emprego e salário, também queremos que esse sistema político seja nosso.


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Marcos Nobre - professor da UNICAMP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). No site El País. 

El País

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