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Quarta-feira, 08 de maio de 2024
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José Osmar

José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

01/12/2021 - 08h52

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01/12/2021 - 08h52

Lula, um social-democrata com intuição socialista

Lula é aplaudido depois de discurso no Parlamento Europeu

 Lula é aplaudido depois de discurso no Parlamento Europeu

No dia 22/11/2021 o jornal EL PAÍS publicou um editorial com o título “Lula, o social-democrata latino-americano.” .  

O jornal europeu – o mais importante da Espanha e um dos mais importantes do mundo  – conclui que Lula é um social-democrata porque defende a alternância de poder, tem sensibilidade para temas como pobreza, justiça social, diversidade, mudanças climáticas, qualidade da democracia e governança multilateral global. Po isso, EL PAÍS considera o ex-presidente brasileiro o mais qualificado representante da social-democracia latinoamericana.

A social-democracia é uma ideologia política que tem como postulados a defesa da liberdade, da igualdade e da solidariedade social, sendo a democracia representativa um dos seus princípios fundamentais.

No campo econômico, os sociais-democratas – em oposição aos liberais – apoiam a intervenção do Estado na economia, visando promover justiça social por meio da distribuição mais equitativa da renda nacional; no campo político, defendem as liberdades civis, o direito de propriedade e a escolha dos governantes pelo voto de todos os cidadãos.

De fato, a análise das ações de Lula como presidente da república e o resultado de sua política econômica, social e de relações exteriores o classificam como um político social-democrata.
Ao ser eleito em 2002, Lula disse que ficaria satisfeito se no final de seu governo todos os brasileiros pudessem fazer três refeições por dia. Ele conseguiu! E fez isso por meio de uma séria de programas sociais que geraram benefícios para as classes populares e, consequentemente, também para as classes média e alta, uma vez que toda política de distribuição de renda beneficia a sociedade como um todo, em especial aqueles que negociam com dinheiro (bancos) e, em menor escala, os que detêm os meios de produção.

Antes das eleições, Lula escreveu uma carta direcionada ao “mercado”, que chamou de “Carta ao Povo Brasileiro”, se comprometendo a respeitar os contratos firmados pelos governos neoliberais aos quais sucederia. Ele cumpriu! Resultado: os grandes empresários, especialmente os bancos, obtiveram lucros extraordinários durante os seus dois mandatos.

No campo político, Lula governou respeitando as instituições e as regras da democracia representativa, tendo recusado, veementemente, discutir a possibilidade de concorrer a um terceiro mandato presidencial.

No campo social, adotou como princípio “colocar o pobre no orçamento”, destinando recursos no orçamento da União para atendimento das demandas da pobreza, a exemplo do que já ocorria com os grandes capitalistas, cujas demandas sempre foram historicamente contempladas nos orçamentos públicos. Lula justificou o investimento nos pobres – inédito na história do Brasil – na necessidade política, histórica e econômica de  propiciar o acesso das camadas populares aos investimentos do Estado, como uma medida republicana de que todos participassem da distribuição da riqueza do País. Ele fez isso! A expressão “colocar o pobre no orçamento” se consagrou como um postulado fundamental da ação política de um governo social-democrata no Brasil.

No campo econômico, o êxito do ex-presidente se deveu à sua tenacidade e, também, à estratégia de reunir governo, congresso, judiciário, líderes sindicais, líderes populares e empresários na mesma mesa, para superar conflitos, negociar e apontar saídas.

Lula buscou fazer um governo de conciliação nacional, com a determinação de incluir a sociedade civil organizada no jogo do poder. Neste ponto, Lula não conseguiu! E não conseguiu porque a elite empresarial, o estamento político e a classe média tradicional, apesar de se dizerem “democratas”, na verdade não aceitam os postulados da social-democracia; não se veem dividindo o orçamento público e os espaços institucionais com as classes populares; não entendem como necessária a participação  de dois terços da população brasileira na vida econômica nacional.

Em recente viagem à Europa, Lula foi recebido como chefe de Estado, encantando sociais-democratas do velho continente. Na verdade, Lula encanta porque tem a cabeça e a postura de um social-democrata, embora aja como um socialista intuitivo quando busca praticar o modelo de revolução cultural e processual defendido pelo filósofo marxista italiano Antônio Gramsci.

Passado o revés do golpe conta Dilma, de sua prisão e com a comprovação da suspeição do juiz que lhe encarcerou, Lula volta a navegar pelas águas revoltadas da política nacional com motivação visivelmente revigorada para retornar ao governo em 2023, aos setenta e oito anos de idade.

Expressando a opinião dos progressistas europeus, o jornal espanhol ver na candidatura de Lula uma alternativa para estancar o populismo de extrema direita de Bolsonaro, dando estabilidade a toda a América Latina, razão pela qual incentiva a esquerda europeia a se aproximar do ex-presidente, a quem ver como o próximo presidente do Brasil.

De fato, o retirante nordestino que virou presidente da república sabe que um processo amplo de mudanças nos dias atuais não pode mais ser construído através de rupturas bruscas do sistema, tal como ocorreu nas grandes revoluções dos últimos dois séculos.

Lula aprendeu na prática sindical que a negociação é o melhor caminho para a classe trabalhadora obter ganhos no capitalismo, e parece acreditar na democracia como o melhor sistema para fazer uma revolução social sem violência, desde que as classes trabalhadoras estejam constantemente mobilizadas para a disputa democrática do poder e da hegemonia na sociedade.

Na presidência da república, Lula teve um êxito apenas relativo em fazer a conciliação nacional. Porém, sua obra não foi além do tempo dos seus dois mandatos. Certamente, oito anos não são suficientes para superar cinco séculos de absoluto distanciamento entre as classes sociais que Lula deseja tanto ver juntas no objetivo grandioso de fazer do Brasil uma nação próspera, justa e solidária.

Ainda que não consiga seu objetivo – mas apenas por ter sido o primeiro líder nacional a pôr em prática esse sonho – Lula pode ser considerado o único verdadeiro social-democrata do Brasil até aqui. EL PAÍS está certo.

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Por : José Osmar Alves, promotor de justiça e Cantídio Filho, jornalista e professor da UFPI. 





 

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