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Quarta-feira, 08 de maio de 2024
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José Osmar

José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

18/01/2022 - 06h45

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José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

18/01/2022 - 06h45

PARA ONDE OLHA A HUMANIDADE?

 

Semana passado assisti ao filme Não Olhe Para Cima, do diretor norte-americano Adam McKay, em cartaz no Netflix desde dezembro de 2021.

O filme trata a descoberta de um cometa que vem em direção à terra, com capacidade para destruir a raça humana. O objeto foi identificado pela doutoranda em astronomia Katy Dibiasky (Jennifer Lawrance) o pelo seu professor, o astrônomo Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) da universidade estadual do Michigan, uma escola sem prestígio internacional, e por isso os dois não são levados a sério pela presidente dos Estados Unidos. A presidente é uma desmiolada, eleita pela extrema direita, com apoio de um empresário do ramo de tecnologia, multibilionário, cujo único objetivo é se tornar cada vez mais rico.

Desesperados, porque sabem que se nada for feito o cometa realmente destruirá a terra, os cientistas decidem ir à imprensa, desafiando o governo, que – apesar de ter ignorado o perigo iminente – classificou a questão como de segurança nacional, proibindo qualquer divulgação do caso, tendo em vista as eleições que se aproximavam.

No programa de TV – o de maior audiência do país –, os dois cientistas também não são levados a sério. Os apresentadores estão mais interessados em fazer piadas, comentar fofocas, falar sobre trivialidades, porque são essas coisas que dão audiência. Antes de começar, e percebendo que o professor era atrapalhado com as palavras e estava muito nervoso, um dos diretores do programa resolveu dar a ele umas dicas de como se portar na entrevista, orientando-o a simplificar o tema, a não falar de matemática. Ao que o professor lhe disse: “Acontece que tudo é só matemática!” 

Começada a entrevista, o professor explica que o cometa tem capacidade para destruir a terra. O apresentador o interrompe e, com ar de deboche, pergunta se há um jeito de o cometa cair sobre a casa de sua ex-mulher. Os telespectadores adoram a piada e, consequentemente, não levam a sério o que acaba de ser anunciado. Assim, a aterrorizante notícia de que a terra será destruída em seis meses é percebia apenas como parte de uma piada. A todo momento os cientistas são interrompidos pelos apresentadores, que procuram tornar engraçado o que está sendo dito, e quando os entrevistados reclamam, eles explicam que o programa precisa fica leve, sem a seriedade e a “chatice” da ciência, que, nesse caso, não rima com audiência.

Aliás, a audiência do programa é acompanhada em tempo real. Quando o assunto tá ficando “chato” os apresentadores fazem mais uma piada, os telespectadores se agitam novamente e a audiência cresce. Antes dos cientistas (eles foram os últimos a serem chamados), o programa entrevistou uma cantora adolescente, dessas a la Anitta, e a audiência foi às alturas, especialmente quando o namorado dela, um DJ (disc jockey, ou didjêi, aportuguesando a pronúncia) muito famoso, a pediu em casamento ao vivo (eles haviam terminado, por um motivo banal qualquer). Quando a cantora saiu e os cientistas entraram, a audiência despencou, ninguém tinha interesse em ouvi-los. 

Tudo no filme lembra os programas de nossas televisões e da internet. As anas marias bragas e seus papagaios de plástico, os faustões e suas piadas sem graça, os ratinhos e seu mal gosto infinito, os big brothers, as fazendas, os influencers e tantos outros a monopolizar a atenção do povo! Inutilidades completas, eles propagam noite e dia as suas futilidades, e faturam zilhões, sem matemática, sem física, sem astronomia, sem história, sem cultura, sem nada! Só diversão inútil, quase idiotia.

Em determinado momento o cometa se torna visível na terra. Os cientistas, então, lançam a hashtag “#olhe para cima” e, assim, milhões começam a ver o cometa, e acreditam. A essa altura o governo – ocupado por uma alucinada  –, já foi convencido de que o comente realmente cairá na terra, mas tem outros planos: aproveitar a riqueza dos metais preciosos que a enorme pedra contém. Assim, para se contrapor aos que estão olhando para o céu, lança a sua própria campanha: “#não olhe para cima”. Isto divide o povo entre os que acreditam que o cometa é real porque acreditam na ciência e os que não acreditam. Os que não acreditam são de três ordens: os que não acreditam na ciência, os que acreditam no governo e os que acreditam na promessa do “mercado” de que o cometa criará milhões de empregos. Então, uma batalha nas redes sociais é travada: “olhe para cima!” x “não olhe para cima!”. Enquanto isso, o cometa se aproxima, as tentativas tardias de implodi-lo falham e o impacto acontece, destruindo tudo o que há na terra. Pouco antes, porém, duas mil pessoas (somente as muito ricas, incluindo a presidente e o empresário bilionário) escapam da destruição numa nave, em busca de outro planeta habitável.

Não Olhe Para Cima é uma comédia dramática. E como em toda comédia dramática, o sentimento do público é sempre uma contradição: o riso pelas situações engraçadas e aquela leve tristeza pelo drama em si. Em Não Olhe Para Cima essa contradição é ainda mais incômoda, na medida em que, ao sorrir das loucuras dos “negacionistas”, temos a sensação de estarmos rindo de nós mesmos, de nossa própria miséria.

Por fim, peço desculpas aos amigos, porque os meus textos são longos, inapropriados para o formato e o ritmo alucinante do mundo cibernético. Reconheço também que minha prosa às vezes é um pouco difícil. Mas eu lhes rogo que tenham paciência para ler e refletir sobre essas coisas, pois elas são realmente importantes. Basta lembrar que os smartphones e os computadores nos quais estamos lendo este texto não teriam sido possíveis sem as complicadas equações da Matemática. Evidentemente, nem todos nós precisamos saber matemática, basta darmos mais atenção aos matemáticos e menos aos “brothers” deste mundo. Além, é claro, de continuarmos olhando para cima.

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