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Segunda-feira, 06 de maio de 2024
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José Osmar

José Osmar

joseosmaralves@hotmail.com

16/01/2018 - 20h37

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16/01/2018 - 20h37

Maquiavel, a política e a produção de canabidiol no Piauí

Governo do Piauí autoriza a produção de canabidiol

 Governo do Piauí autoriza a produção de canabidiol

Conheço razoavelmente Nicolau Maquiavel pela sua teoria política. Nascido na cidade de Florença, em maio de 1469, cedo se destacou pelo interesse e conhecimento das questões relacionadas à administração do Estado. A um amigo ele escreveu: “O destino determinou que eu não saiba discutir sobre a seda, nem sobre a lã; tampouco sobre questões de lucro ou de perda. Minha missão é falar sobre o Estado. Será preciso submeter-me à promessa de emudecer, ou terei que falar sobre ele” (Carta a Francesco Vettori, de 13/03/1513, obra citada).
 
Gastei este primeiro parágrafo falando brevemente de Maquiavel apenas para ressaltar a dependência que as nações têm de verdadeiros estadistas para se desenvolverem econômica, política e culturalmente.
 
Um conceito que se pode usar para definir um político é o de uma pessoa com tirocínio, habilidade e discernimento para as questões políticas e para a administração do Estado. Contudo, os elementos deste conceito não são suficientes para alcançar o universo em que se movem os grandes políticos, aqueles a quem a História costuma chamar de estadistas.
 
Ocorre que qualquer ser humano com mediano conhecimento pode fazer uma leitura razoável da conjuntura em que vive e, partindo daí, empreender uma administração pública igualmente razoável, a partir de alianças celebradas com algum grau de esperteza. Uma pessoa com tais atributos pode exercer os cargos públicos sem provocar maiores solavancos sociais, fazendo essas  administrações que se costuma chamar “feijão com arroz”, da quais as  lembranças se resumem a uma fotografia no mural dos ex-diretores ou a um parágrafo de pé de página nos livros de história.
 
Já um estadista é diferente. Nele não há o desejo de angariar riqueza material. São capazes de sacrifícios pessoais imensos, sua vida é seu povo. A memória do seu nome é duradoura, a importância de sua obra se prolonga para muito além do seu próprio tempo. Em face de sua visão de longo alcance, suas obras se revelam especialmente importantes para as gerações futuras, moldando o caráter de todo o povo, definindo o futuro da nação. Em torno do seu nome se ajuntam as melhores mentes e a maioria dos cidadãos. Num país dirigido por um estadista a oposição faz críticas respeitosas, construtivas, pois não há espaço para a guerra campal, a autofagia que acaba por destruir o governo e a própria nação.
 
 
As obras de um estadista são das mais variadas espécies, e todas se revelam importantes. Podem ser físicas ou intelectuais, uma decisão administrativa ou um discurso anual no parlamento. Cada um desses atos ele aproveita para edificar moral e espiritualmente o seu povo. Goste-se dele ou não, o valor das obras de um grande político será sempre reconhecido por todos, até pelos seus adversários.
 
Porém, estadistas são espécimes raras em todo o mundo. No Brasil, mais ainda. Percorrendo nossa já longa história de quinhentos anos não consigo vislumbrar mais do que cinco (só mencionarei os mortos): D. João VI, D. Pedro II, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Leonel Brizola. Um por século é muito pouco, é quase nada, aliás. Isso seguramente explica muito do atraso econômico, social e cultural do Brasil.
 
Pois bem. Aqui entre nós, no Estado do Piauí, dois nomes de estadistas me ocorrem neste momento: Conselheiro Saraiva, pela grande obra de transferência da capital do Estado para Teresina; e Alberto Silva, tanto pelas obras em si quantopelas ideias não concretizadas, as quais demonstravam sua coragem de propor soluções avançadas e engenhosas (os críticos diziam mirabolantes) e que se revelam, hoje, absolutamente corretas do ponto de vista da solução dos problemas estruturais que o Estado do Piauí enfrenta.
 
Recentemente o governador Wellington Dias realizou um ato administrativo que pode se tornar a obra clássica de um estadista. Trata-se da decisão, do final de 2017, de autorizar a pesquisa com a maconha para fins de produção de medicamento derivado de um dos seus princípios ativos, o canabidiol. Notei que a imprensa não deu a ênfase que este ato do governador merecia. Muitos jornais e páginas de internet parecem ter-se limitado a reproduzir alguma nota distribuída pela Secretaria de Comunicação do Estado, talvez pela falta de percepção da importância social e histórica da decisão.
 
O canabidiol é utilizado para o tratamento de doenças relacionadas às disfunções cerebrais, tais como a epilepsia e a fibromialgia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a epilepsia (um tipo de transtorno mental crônico que afeta homens e mulheres de todas as idades) como uma das doenças neurológicas mais comuns no planeta, atingindo cerca de 50 milhões de pessoas. A mesma OMS aponta que 80% dos casos registrados no mundo estão nos países de média e baixa renda e que a maioria dos doentes não recebe o tratamento adequado para o controle da doença, sendo por isso - pacientes e famílias - estigmatizados e discriminados socialmente. Estima-se que no Brasil existam cerca de 480 mil pessoas que sofrem de epilepsia. Não consegui os números do Piauí, mas certamente são significativos.
 
Dores intensas em várias partes do corpo, fadiga, distúrbios do sono e episódios depressivos são os sintomas mais comuns da fibromialgia. A Sociedade Brasileira de Reumatologia estima que a doença afeta cerca de 3% da população do Brasil. No mundo, aproximadamente 30% das pessoas sofre com a fibromialgia, segundo dados da Organização Mundial de Saúde.
 
Os números revelam a necessidade e urgência de a Medicina encontrar a cura dessas doenças, sendo certo que medicamento à base de canabidiol já se acha em produção nos Estados Unidos, importado por pacientes brasileiros a um alto custo financeiro, crescendo a cada dia o número de decisões judiciais que obrigam o SUS e os Estados a custearem o tratamento de pacientes com esse medicamento pelo sistema público de saúde.
 
Neste contexto, a decisão do governador do Piauí se reveste de importância ímpar, uma vez que dela vai resultar a produção nacional do medicamento, beneficiando não só o Piauí, mas o Brasil e até o mundo.
 
Atribui-se ao norte-americano James Fremman Clarke (1810-1888) a seguinte frase: “Um político pensa na próxima eleição; um estadista, na próxima geração”.
 
Alternando esperanças e decepções, pequenas alegrias e grande infortúnios, Maquiavel morreu aos cinquenta e oito anos, pobre e em desalento, sem ter realizado o grande sonho de sua vida, que era o de exercer funções de Estado. Deixou-nos, porém, a obra clássica e universal que conhecemos, a verdadeira herança de um estadista.
 
Os efeitos da decisão do governador Wellington Dias certamente se prolongarão para muito além do seu próprio tempo e, no futuro, provavelmente será inscrita entre as ações que se reconhecem nos grandes políticos, entre as ações que a História atribui aos estadistas.
 

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